segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O ABORTO NOS CASOS DE ANENCEFALIA: DIREITOS FUNDAMENTAIS EM COLISÃO

RESUMO



O presente trabalho tem como objetivo analisar o aborto nos casos de anencefalia sob a égide do Direito Constitucional e dos Direitos Humanos Fundamentais. Inicia-se com um breve estudo sobre o direito à vida, a sua proteção no âmbito criminal, bem como esclarece os conceitos de aborto e de anencefalia. Em um segundo momento, foca-se no tema central, qual seja, indagar se há situações nas quais o direito à vida intrauterina do anencéfalo cede diante dos direitos à saúde – física e mental – e à liberdade de autonomia reprodutiva da gestante, para que ela possa realizar licitamente o aborto, quando desejado. A partir deste contexto, verifica-se um conflito de Direitos Fundamentais que será explicado pelos princípios constitucionais, em especial o princípio da proporcionalidade. Irá analisar, também, a ADPF 54, que fora submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, e que até o presente momento não julgou definitivamente seu mérito. Por fim, a presente monografia irá concluir que, nestas hipóteses de aborto, não há tipicidade na conduta nem da gestante e nem do médico habilitado em interromper a gravidez de feto anencefálico, uma vez que não há resultado jurídico desvalioso. Esta conclusão, além de arrimada nos princípios constitucionais de interpretação dos Direitos Fundamentais, é amparada à luz do direito da dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Aborto. Anencefalia. Direitos Fundamentais em colisão – ADPF 54.


SUMÁRIO



INTRODUÇÃO.................................................................................................................. ............................................................................................................................................. .............................................................................................................................................
  9
1. CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988: PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS...............................................................

11
2 O DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...............................................
13
3 O DIREITO À VIDA.......................................................................................................
15
3.1 O Início da Vida e sua Proteção Jurídica..............................................................
16
3.2 A Proteção da Vida no Âmbito Criminal...............................................................
17
4. DIREITOS FUNDAMENTAIS EM COLISÃO: DIREITO À VIDA INTRAUTERINA DO ANENCÉFALO VERSUS DIREITOS DA GESTANTE...

20
4.1 Os Direitos do Concepto Anencéfalo....................................................................
20
4.2 Os Direitos da Mulher..............................................................................................
20
4.2.1 O Direito à saúde física e mental da mulher..............................................
21
4.2.3 O Direito à liberdade reprodutiva da mulher..............................................
23
5. CONCEITO DE MORTE E OS CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA SUA DETECÇÃO...................................................................................................................

24
6 O CONCEITO DE ABORTO........................................................................................
26
6.1 O Aborto em Outros Ordenamentos Jurídicos..................................................... ..........................................................................................................................................
26
6.2 O Aborto no Ordenamento Jurídico Brasileiro Atual............................................
28
7 ANENCEFALIA............................................................................................................. .........................................................................................................................................
31
7.1  O Aborto por Anencefalia e o Direito Penal Brasileiro.......................................       
33
7.2  O Aborto nos Casos de Anencefalia à Luz do Fundamento e dos Princípios da Bioética..............................................................................................................
36
7.3  A Diferença do Aborto Anencefálico do Aborto Eugenésico............................       
38
7.4  O Aborto Anencefálico em Outros Países...........................................................
40
8 DIREITOS FUNDAMENTAIS EM COLISÃO............................................................
42
9. A LICITUDE DO ABORTO NOS CASOS DE ANENCEFALIA EXPLICADO PELOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.............................................................

45
9.1 Princípio da Concordância Prática ou da Harmonização...................................
45
9.2 Princípio da Proporcionalidade.............................................................................
46
9.2.1 Subprincípio da adequação.........................................................................
47
9.2.2 Subprincípio da necessidade......................................................................
47
9.2.3 Subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito.............................
48
10 ESTUDO DA ARGUIÇÃO DO DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº. 54............................................................................................

50
10.1 Petição Inicial da ADPF 54................................................................................
50
10.2 A Decisão do Ministro Marco Aurélio................................................................
52
10.3 Manifestações da CNBB....................................................................................
53
10.4 O Parecer da Procuradoria Geral da República..............................................
54
10.5 A Decisão Cautelar do Pleno do STF...............................................................
56
11 CASO MARCELA.......................................................................................................    
60
12 FUNDAMENTO DOGMÁTICO DO ABORTO ANENCEFÁLICO.......................    
62
13 PORQUE O DIREITO DA MULHER GESTANTE DEVE PREVALECER.......
68
14 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................
70
REFERÊNCIAS................................................................................................................
73


INTRODUÇÃO



O presente trabalho pretende analisar a polêmica questão relativa à legalidade do aborto nos casos de fetos portadores de anencefalia sob a luz do nosso ordenamento jurídico atual, uma vez que se constata situações nas quais o direito à vida intrauterina do anencéfalo choca-se com os direitos à saúde da mulher, sua liberdade de autonomia reprodutiva, bem como sua dignidade, verificando, assim, um conflito de Direitos Fundamentais, do qual o Direito não pode se eximir.
De um lado, há o direito à vida intrauterina do anencéfalo, garantido constitucionalmente a partir da concepção; do lado oposto, há os direitos à saúde física e psíquica da mulher, bem como sua liberdade de autonomia reprodutiva, também protegida pela Constituição Federal. Ao verificar-se tal conflito, surge o tema central deste trabalho, ou seja, a constatação de que há hipóteses na qual o direito à vida intrauterina deverá ceder diante dos direitos da mulher gestante, para que, assim, ela possa realizar licitamente o aborto.
A anencefalia é uma das malformações do sistema nervoso central que impossibilita o feto de apresentar funções relacionadas à consciência, à capacidade de percepção, de comunicação e de afetividade, fazendo, assim, com que ele tenha uma existência efêmera.
Todavia, as ciências médicas reconhecem que um feto anencefálico é um ser humano vivo e, dessa forma, é titular de todos os direitos resguardados em nossa Constituição; mas, mesmo assim, a gestação nestes casos merece especial atenção em face dos referidos direitos que entram em conflito.
Diante desta situação, duas hipóteses podem ocorrer: na primeira, a gestante, consciente da malformação fetal letal, deseja prosseguir com a gestação, e, neste caso, não há motivos para discussão, uma vez que tanto a mulher como o anencéfalo receberão todo o atendimento médico necessário para o bem estar de ambos. A segunda hipótese ocorre quando a gestante, consciente da gestação de um anencéfalo, deseja interrompê-la, e, nessa hipótese, depara-se com um verdadeiro conflito de Direitos Fundamentais.
Este trabalho, inobstante respeitáveis posições doutrinárias em contrário, adota o ponto de vista a favor da licitude do aborto, tratando estes casos como atípicos, uma vez que a prática da interrupção da gravidez nos casos de anencéfalo não é arbitrária (desarrazoada).
Provavelmente as conclusões apresentadas serão objeto de discussões e reflexões, haja vista a polemicidade do tema em pauta. Além do mais, esta pesquisa envolve questões que fogem do âmbito jurídico, englobando aspectos médicos, morais e, principalmente, religiosos.
Insta salientar, por fim, que o maior objetivo do presente texto é focar o problema no âmbito do Direito Penal e do Direito Constitucional, fazendo valer a máxima: Direito é direito, religião é religião (como bem sublinhou o Iluminismo). Ciência é ciência, crença é crença. Razão é razão, tradição é tradição. Delito é delito, pecado é pecado[1].
Assim, finaliza-se com as palavras sábias do grande doutrinador Luiz Flávio Gomes: “a religião não pode contaminar o direito. As crenças não podem ditar regras superiores à ciência”[2].


1   CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988: PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS



A atual Constituição Federal Brasileira foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988 e é a oitava Constituição (considerando a Emenda nº 1, decretada pela Junta Militar à Constituição Federal de 1967, como uma nova Constituição Federal de 1969) que rege nosso país desde a época imperial. O seu principal objetivo foi implantar um Estado Democrático de Direito, que fora concretizado com diversas garantias aos direitos humanos fundamentais impostos em seus artigos e incisos; afinal, depois de mais de vinte anos de regime ditatorial, nada mais justo que uma reestruturação constitucional que se enquadrasse ao novo regime político, jurídico e social do país.
Os direitos humanos fundamentais são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados[3] e têm como propósito garantir a promoção de condições dignas de vida humana e de seu desenvolvimento, bem como de assegurar a defesa dos seres humanos contra os abusos cometidos pelos órgãos do Estado. Sendo assim, tais direitos gozam de uma tutela reforçada, geralmente com nível constitucional. Percebe-se, portanto, que estes direitos são as bases norteadoras de todo e qualquer ordenamento jurídico brasileiro.
O compromisso ideológico destes direitos vem logo a partir do preâmbulo da nossa Constituição:

[...] para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...][4]


A seguir, serão verificados os principais direitos resguardados pela nossa Lei Maior, que entram em choque quando o assunto é aborto nos casos de anencefalia: direito à dignidade da gestante, de sua saúde e de sua liberdade de autonomia reprodutiva versus o direito à vida intrauterina do anencéfalo.


2 O DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA



Analisa-se que a Constituição da República Italiana, de 27 de dezembro de 1947, pareceu propender a respeito da dignidade da pessoa humana, quando, no espaço reservado aos Princípios Fundamentais, inseriu em seu artigo 3º que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.  Entretanto, foi a Lei Fundamental de Bonn, de 23 de maio de 1949, que solenizou em seu artigo 1.1 incisiva declaração: “A dignidade do homem é intangível. Os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la”. Este último artigo recolheu sua inspiração na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948, senão veja-se o que é prescrito em seu preâmbulo: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.
O artigo 1º da mesma Declaração postula que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.
Como não poderia ser diferente, o Brasil não ficou alheio ao tema e, ao publicar a tão esperada Constituição de 1988, deixou claro que o fundamento norteador do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana.
Definir este direito é muito difícil, pois sabe-se da grande carga de abstração que carrega consigo; entretanto, pode-se caracterizá-lo como aquele princípio-direito que todo e qualquer ser humano apresenta. Tal direito é irrenunciável e inalienável, existindo independente dos ordenamentos jurídicos o reconhecerem, porque a dignidade não é algo que se concede à pessoa humana, mas já lhe pertence de forma inata. Neste sentido, Immanuel Kant se pronunciou: “Só o homem não existe em função de outro e por isso pode levantar a pretensão de ser respeitado como algo que tem sentido em si mesmo[5]". Percebe-se, assim, que a dignidade se confunde com a essência humana, sendo esta considerada de valor intrínseco e não admitindo substituições.
Na mesma linha, ensina Alexandre de Moraes: "a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida [...]”[6].

Para finalizar o presente capítulo, conclui-se que a dignidade, além de inerente aos homens, é direito constitucional, e sua aplicação e eficácia são imediatas, não podendo esta sofrer prescrição e nem ser alienada, tendo reconhecimento de cláusula pétrea desde a concretização da atual Constituição Brasileira.






Como já diria José Afonso da Silva, de nada adiantaria a Lei Maior tutelar os outros Direitos Fundamentais, se não erigisse a vida humana nesse rol de proteção[7], uma vez que se entende que os indivíduos só passam a ser titulares de outros direitos a partir da existência da vida.
Entretanto, tal pensamento nem sempre foi consolidado, pois, ao analisar-se rapidamente a gradativa evolução das Constituições brasileiras, percebe-se que nem todas elas protegiam este direito; a primeira delas, conhecida como Constituição Imperial de 1824, preceituava no seu artigo 179 “a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade [...]”[8]. É visto, dessa forma, que não era protegido expressamente o direito à vida.
As próximas constituições seguiram a mesma linha, agora, porém protegendo implicitamente esse direito essencial.
Foi somente com a Constituição de 1946, em seu artigo 141, que a proteção do direito à vida passou a ser expressa; tal artigo estabeleceu a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, assim como o parágrafo 31 do mesmo artigo aboliu a pena de morte (exceto nos casos de guerra com país estrangeiro).
A Constituição de 1967, apesar de ter sido outorgada sob a luz de um regime militar autoritário, trouxe redação semelhante à anterior, inclusive em relação ao direito à vida, assim como à liberdade, à segurança e à propriedade.
Porém foi somente com a Constituição de 1988, como já aduzido acima, que tanto o direito à vida como outros inúmeros direitos passaram a ter a devida garantia e proteção que mereciam. De acordo com tal pensamento, Carolina Alves de Souza Lima ensina que “a Constituição Federal de 1988 inova na proteção dada aos Direitos Fundamentais. Dentre as Constituições do Brasil, da imperial à atual, esta é a que protege a maior gama de Direitos Fundamentais”[9].
Nossa Constituição não faz distinção entre a vida intrauterina e a vida extrauterina, cabendo às legislações infraconstitucionais, com ênfase na legislação penal, tipificarem os crimes que atentem contra ela.

3.1 O início da Vida e sua Proteção Jurídica

Primeiramente, insta salientar que existem diversas teorias a respeito de quando se inicia a vida humana, porém prevalece o entendimento de que a concepção dá início à vida humana. De acordo com o dito, instrui Dernival da Silva Brandão:

A embriologia demonstra que a nova vida tem início com a fusão de gametas – espermatozóides e óvulo – duas células germinativas extraordinariamente especializadas e teleologicamente programadas, ordenadas uma à outra. Dois sistemas separados interagem e dão origem a um novo sistema; e este por sua vez, dá início a uma série de atividades concatenadas, obedecendo a um principio único, em um encadeamento de mecanismos de extraordinária precisão. Já não são dois sistemas operando independentemente um do outro, mas um único sistema que existe e opera em unidade: é o zigoto, embrião unicelular, que compartilha não apenas o ácido desoxirribonucléico (ADN), mas todos os cromossomos de sua espécie, a espécie humana, cujo desenvolvimento, então iniciado não mais se detém até a sua morte [...]. É, portanto, um ser vivo humano e completo. Humano em virtude de sua constituição genética específica e de ser gerado por um casal humano, uma vez que cada espécie só é capaz de gerar seres da sua própria espécie. Do ponto de vista biológico não existe processo de humanização. Ou é humano desde o inicio da sua vida ou não será jamais: não há momento algum que marque a passagem do não humano ao humano. Completo, no sentido de que nada mais de essencial a sua constituição lhe é acrescentado após a concepção[10].


O nosso ordenamento jurídico escolheu, também, o momento da concepção como marco de proteção constitucional, uma vez que incorporou ao sistema constitucional a Convenção Americana de Direitos Humanos.
O objetivo central deste trabalho, no entanto, é demonstrar que, ocorrendo questões de conflitos constitucionais que envolvem Direitos Fundamentais, nem sempre o direito à vida prevalecerá. Entende-se, além disso, que a ciência jurídica não é competente para responder a pergunta de quando se inicia a vida humana, do mesmo jeito que as ciências naturais não estão em condições de responder desde quando a vida humana deve ser colocada sob a proteção do direito constitucional[11].
Sendo assim, o nascituro é titular de direitos desde a concepção, ou seja, a proteção abrange todo o ciclo da vida, iniciando com a fecundação, continuando com a implantação, o período embrionário, o período fetal, o nascimento, a infância, a juventude, a idade adulta, a velhice, até chegar à morte.
Percebe-se, dessa forma, que o Direito tem como função primordial defender a vida desde a sua concepção, sendo que a morte deve ser um processo natural, ou seja, ela não pode ser interrompida pela ação humana, e é vislumbrando isto que a legislação penal tipifica os crimes que atentam contra ela.

3.2 A Proteção da Vida no Âmbito Criminal

Na área criminal, a legislação penal é responsável pelos crimes contra a vida e por todos aqueles que indiretamente atentem contra ela. Dentre as várias figuras penais, o Código Penal Brasileiro tipifica os crimes dolosos contra a vida: o homicídio, o induzimento, a instigação ou auxílio ao suicídio, o infanticídio e o aborto, sendo todos estes de competência do Tribunal do Júri.
Ao analisar o atual Código Penal, constata-se que o legislador atribuiu maior valor à vida extrauterina do que à vida intrauterina, senão veja-se a diferença entre as penas cominadas para os crimes de homicídio e de aborto:

Art. 121 - Matar alguém:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Art. 125 - Provocar Aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
Art. 126 - Provocar Aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.


Tal constatação demonstra que, embora os dois crimes atentem contra a vida, a lei traduz ao feto uma dignidade relativa, em homenagem ao que poderá vir a ser. Assim, parte da proteção dada ao ser humano é estendida a este e, por isso, existem as diferenças de penas cominadas acima.
Entretanto, esta pesquisa, como já dito, tem como foco principal o aborto nos casos de anencefalia e inobstante respeitáveis posições diversas, o anencéfalo, por carecer de grande parte do sistema nervoso central, fica incapacitado para as funções de cognição, percepção, comunicação, afetividade. Estas características, como serão abordadas no presente trabalho, são as condições que definem a experiência de compartilhar a vida humana. Assim, se não existe experiência humana, não há bem jurídico a ser tutelado e, portanto, não há que se falar em dignidade sequer relativa.
Para finalizar o raciocínio, se o anencéfalo não possui esta dignidade, o aborto não é desarrazoado ou arbitrário; assim, não há que se falar em crime, é fato atípico.


4   DIREITOS FUNDAMENTAIS EM COLISÃO: DIREITO À VIDA INTRAUTERINA DO ANENCÉFALO VERSUS DIREITOS DA GESTANTE



O presente capítulo abordará os respectivos Direitos Fundamentais em colisão. Nos próximos capítulos, serão apresentados os fundamentos jurídicos da prevalência dos direitos da gestante.

4.1 Os Direitos do Concepto Anencéfalo

Parte-se da premissa de que o nascituro é titular de todos os direitos assegurados na Constituição desde a concepção e que o feto, mesmo anencefálico, é considerado um ser humano vivo.
A grande problemática aqui é analisar e valorar se a vida de um anencéfalo “merece” ser protegida em páreo de igualdade com os direitos da mulher, gestante de um anencéfalo, que deseja não ter aquela gestação.
Pode-se dizer que, embora o feto anencefálico seja um ser humano com vida e, por isso, portador dos direitos dos nascituros, não possui competência biológica para adquirir consciência de si e do mundo, estando, assim, fadado a uma vida vegetativa por um breve período de tempo, até sua deterioração total.
No entanto, é possível concluir que, se a mulher gestante desejar prosseguir com a gravidez e o anencéfalo vier à luz com vida, ele será titular de todos os direitos da criança e, inclusive, receberá proteção especial conferida aos portadores de deficiência.

4.2 Os Direitos da Mulher

4.2.1 O direito à saúde física e mental da mulher

Afirmar que o aborto anencefálico, quando há consentimento da gestante, é uma conduta criminosa é ofender inteiramente o direito à sua saúde, garantido tanto constitucionalmente como em lei especial, uma vez que tal gestação traduz um risco para a mulher.
Os médicos que atuam na área da ginecologia vêm se pronunciando sobre os riscos que corre uma gestante de um anencéfalo. Segundo Thomaz Rafael Gollop,

Uma gestação de feto com anencefalia acarreta riscos de morte à mulher grávida. Sem dúvidas, e sobre isso há alguns dados levantados que são muito interessantes. Em primeiro lugar, há pelo menos 50% de possibilidade de polidrâmnio, ou seja, excesso de líquido amniótico que causa maior distensão do útero, possibilidade de atonia no pós-parto, hemorragia e, no esvaziamento do excesso de líquido, a possibilidade de descolamento prematuro de placenta, que é um acidente obstetrício de relativa gravidade. Além disso, os fetos anencefálicos, por não terem o pólo cefálico, podem iniciar a expulsão antes da dilatação completa do colo do útero e ter o que nos chamamos de distócia do ombro, porque nesses fetos, com freqüência, o ombro é grande ou maior que a média e pode haver um acidente obstetrício na expulsão no parto do ombro, o que pode acarretar dificuldades muito grandes do ponto de vista obstetrício. Assim sendo, há inúmeras complicações em uma gestação cujo resultado é um feto sem nenhuma perspectiva de sobrevida. A distócia de ombro acontece em 5% dos casos, o excesso de líquido em 50% dos casos e a atonia do útero pode ocorrer em 10% a 15% dos casos[12].


O mesmo entendimento é compartilhado por Jorge Andalaft, médico coordenador da Comissão Violência Sexual e Interrupção da Gestação da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, que ensina:

Há riscos à saúde da mulher tanto no período gestacional quanto no parto. Esse é um parto muito complicado, com um risco aumentado na ordem de 22%. As complicações são decorrentes da própria deformidade do feto, que por não possuir a caixa craniana formada, não encaixa corretamente para o parto, então temos fetos sentados, fetos atravessados e isso é um grande risco para a vida da mulher. O trabalho de parto costuma demorar entre 14 e 16 horas, enquanto os outros partos duram 6 horas[13].


A saúde mental da mulher também se torna profundamente abalada, uma vez que as gestantes sabem da impossibilidade daquele feto apresentar uma vida normal e duradoura. Gláucia Rosana Guerra Benute afirma que a gestação forçada coloca a mulher em contato com o filho malformado e isso, para a gestante, representa o fracasso, o erro, a falha, a destruição da expectativa, do planejamento e do sonho, pois sentimentos de impotência e frustração se sobrepõem aos outros[14].
Segundo essa mesma autora, a solicitação judicial para a interrupção da gravidez ocasiona, para a gestante, novas angústias e tensões, pois, durante o tempo de espera, há grande sofrimento e, quando o pedido é deferido, a gestante manifesta sentimento de adequação social, sendo capaz de lidar melhor com as suas emoções; entretanto, quando o pedido para interrupção da gravidez é indeferido, a gestante vivencia nova desestruturação emocional, uma vez que sua decisão não encontra respaldo legal e social, sentindo ainda mais culpa e sofrimento, o que pode ter consequências extremas, como o suicídio[15].
A autora conclui que o acompanhamento psicológico da gestante e de sua família é de suma importância durante um determinado período, porque a vivência da gestação de um anencéfalo põe a mulher em contato direto com o luto, independentemente de esta optar por interromper ou não a gestação[16].
Como se vê, negar a prática do aborto anencefálico quando a gestante deseja fazê-lo é negar nosso Estado Democrático de Direito, uma vez que tal proibição recai completamente como uma ofensa à saúde da mulher.

4.2.3 O direito à liberdade reprodutiva da mulher

O direito à liberdade de autonomia reprodutiva da mulher deve ser exercido tanto para a manutenção do anencéfalo como para a interrupção desta gravidez.
Esse direito deve ser baseado nas necessidades específicas de cada mulher, tangendo esta decisão somente à gestante; afinal, o aborto, principalmente neste caso, trata de uma questão de foro íntimo.



5   CONCEITO DE MORTE E OS CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA SUA DETECÇÃO



Tanto o conceito de morte como os critérios usados para sua detecção não tangem a esfera jurídica, mas a esfera médico-biológica. Entretanto, sem estes conceitos esclarecidos não se pode levar adiante este trabalho.
Primeiramente, cabe tecer um conceito biológico sobre o que é morte. Para isso, usar-se-á fielmente as palavras de Calabuig:

A vida equivale a um complexo conjunto de fenômenos bioquímicos que seguem leis fixas e cujo normal funcionamento se traduz num equilíbrio biológico e físico-químico e numa constância de valores orgânicos. Quando a morte se produz, aquelas leis deixam de se cumprir e o corpo humano fica em estado inerte, sofrendo as influências de ordem física, química e microbiana do meio ambiente e inclusive de seu próprio meio interno. Porém nem todos os tecidos e sistemas orgânicos, nem todas as células, perdem suas propriedades, vitais no momento em que a vida se extingue do organismo como um todo. Há graus de vida e há graus de morte: há morte total e morte parcial, que precede sempre àquela, por estar o corpo constituído nos sistemas de resistência vital diferente. Porém, de qualquer jeito, umas partes morrem antes e outras depois, finalmente, todo o organismo consome suas reservas vitais e a morte total, definitiva, irreversível instaura-se nele. O corpo, neste estado, recebe o nome do cadáver[17].


Já o critério utilizado para dizer definir se ocorreu a morte ou não tem sido mudado de tempos em tempos. Hoje, o que prevalece é que esta se constata com a morte encefálica, mesmo porque as funções vitais não permanecem mais de duas semanas frente a esse diagnóstico, independentemente das medidas médicas tomadas.
A partir da morte encefálica é possível interromper a administração de medicamentos, bem como a utilização de aparelhos e, com a Lei de Transplantes (Lei 9.434/97), há também a possibilidade de removerem os órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. O artigo 3º, caput, da Legislação supramencionada preceitua:

A retirada ‘post mortem’ de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.


Visto isso, percebe-se que o ordenamento jurídico brasileiro elegeu a comprovação da morte encefálica para diagnosticar a morte, e consequentemente para autorização de transplante de órgãos.


6 O CONCEITO DE ABORTO



O aborto, em seu sentido etimológico, significa a interrupção da gravidez, ou seja, a expulsão do embrião ou do feto resultando em sua morte. Sua origem provém do latim aboriri, que significa "separar do lugar adequado". A interrupção da gestação há de ser intencional, uma vez que a legislação penal tipifica o aborto apenas na forma dolosa.
O ato de abortar é milenar, existente desde os primórdios da humanidade, porém é um dilema social e um risco para a saúde de quase 1 milhão de mulheres brasileiras todos os anos.
Tratar sobre este tema é sempre muito complicado, afinal existem muitos prismas para serem analisados; entretanto, neste trabalho será colocado um foco no âmbito jurídico e, restringindo ainda mais, serão tratados com devida a profundidade os casos de aborto em fetos anencefálicos.

6.1 O Aborto em Outros Ordenamentos Jurídicos

A regulamentação jurídica do aborto é bastante diversificada no direito comparado. Tem-se três sistemas que tratam deste tema, conforme expostos abaixo.
O primeiro, conhecido como sistema restritivo, significa a proibição absoluta do aborto, não sendo permitido nem para salvar a vida da mãe. Percebe-se, neste caso, que o sistema é muito rigoroso, uma vez que beneficia somente um dos Direitos Fundamentais: o direito à vida do feto, o que resulta no não atendimento aos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Alguns países que seguem este sistema são Chile, Honduras e Nicarágua. Aliás, é no Chile que existe a maior taxa de aborto da América Latina (50 a cada 1000 mulheres praticam tal ação).
O segundo sistema é o permissivo, que é o oposto do sistema acima. Neste caso, a prática do aborto é uma opção e um direito da mulher. Percebe-se, neste sistema, que os direitos mais protegidos são os da liberdade de escolha e os da dignidade da gestante, fazendo com que o feto nunca seja protegido penalmente. Segundo Celso Cezar Papaleo:

Nos países socialistas, largamente admitidos desde 1955, basta, em certas circunstâncias, apenas pedi-lo, como ocorre atualmente na Rússia e na Hungria. Nesses países, mais de 90% dos abortos legais resultam de razões sociais ou de conveniência pessoal. É a máxima liberalização que se conhece na Europa[18].


Além dos citados Rússia e Hungria, alguns outros países que seguem tal sistema são os Estados Unidos, Canadá, China, França e Turquia.
Dados constatam que 40% da população mundial vive em países que adotam o sistema permissivo[19].
E, por fim, tem-se o último sistema, conhecido como intermediário, que, como o próprio nome diz, é uma mescla dos dois citados acima. Ele abarca várias correntes doutrinárias, com diferentes fundamentos e pontos de vista, mas a teoria do sistema intermediário das indicações é a mais conhecida, ou seja, prevalece a regra que o aborto é punível, existindo, porém, exceções taxativamente previstas nos ordenamentos jurídicos em que ele pode ser consentido, quais sejam:
·      aborto terapêutico ou médico – realizado para evitar grave perigo à vida ou à saúde física ou psíquica da gestante;
·      aborto ético ou sentimental – autorizado quando a gravidez é resultante de estupro;
·      aborto eugênico – autorizado quando existem grandes probabilidades de que o feto seja portador de grave anomalia genética de qualquer natureza ou de outros defeitos que decorram da gestação;
·      aborto por indicação econômico-social – autorizado em situações de dificuldade econômica e social da gestante.
Dados comprovam que 59,5%[20] da população mundial vive em países que são regidos pelo sistema intermediário. A Líbia, o Sudão e o Egito, por exemplo, permitem o aborto somente nos casos para salvar a vida da mulher, enquanto a Namíbia e a Botsuana permitem em todos os casos citados, exceto por razões socioeconômicas.

6.2 O Aborto no Ordenamento Jurídico Brasileiro Atual

Os artigos 124 a 128 do Código Penal atual preveem duas modalidades de aborto: os abortos lícitos e ilícitos.
Os abortos ilegais são tratados nos artigos 124 e 127 da legislação supracitada, os quais têm como intuito proteger a vida humana intrauterina. Protege-se, ainda, a vida e a integridade física da gestante no aborto provocado por terceiro sem o seu consentimento.
O aborto é crime que tem como termo inicial a concepção e termo final o parto, afinal, após o início deste, a morte do nascente pode configurar delito de infanticídio ou de homicídio.
Já o artigo 128 do Código Penal traz as duas formas legais de aborto no Brasil, quais são: o aborto necessário ou terapêutico e o aborto sentimental ou em decorrência de estupro, veja-se in verbis:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto Necessário
1-   se não há outro meio de salvar a vida da gestante
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
2-    se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.


Ressalta-se, então, que o aborto só é permitido em uma das duas hipóteses colacionadas acima, sendo necessário, inclusive, que o ato seja praticado por um médico, para que a gestante fique sob cuidados hospitalares e em boas condições sanitárias.
Tais disposições não contêm causas de exclusão da culpabilidade, nem escusas absolutórias ou causas extintivas da punibilidade, e sim cláusulas de exclusão de antijuricidade. Como Damásio de Jesus assevera, “fato impunível em matéria penal é fato lícito. Assim, na hipótese de incidência de um dos casos do artigo 128, não há crime por exclusão da ilicitude”[21].
O aborto necessário só é permitido quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Entende-se, nesta situação, que o consentimento da mulher ou do seu representante legal não é exigível, afinal, tal consentimento seria incompatível com o estado de necessidade. Há dois requisitos simultâneos para a configuração do aborto necessário: a existência real de perigo à vida da gestante e a inexistência de outro meio para salvar sua vida.
A outra permissão legal está estipulada no artigo 128, inciso II do Código Penal, conhecido como aborto humanitário ou sentimental, que permite a prática do ato da interrupção da gravidez no caso da gravidez ser resultado de estupro e a gestante, ou seu representante legal, consentir sua realização.
Segundo Nelson Hungria, “nada justifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o horrível episódio da violência sofrida”[22].
É de suma importância citar que o médico deve comprovar o resultado do estupro ou do atentado violento ao pudor, seja por meio do Inquérito Policial, do processo criminal ou do boletim de ocorrência. Entretanto, se inexistirem esses meios, o próprio médico deve procurar certificar-se da ocorrência do delito sexual, já que não é essencial que seja exigida a autorização judicial para que o médico interrompa a gravidez. Caso a mulher aja com má-fé e suas alegações não sejam verdadeiras, somente ela responderá criminalmente pela prática de aborto, sendo que a boa-fé do médico configura delito putativo por erro de tipo permissivo, em face da teoria limitada da culpabilidade. Esta teoria versa que o erro de tipo exclui o dolo e o agente responderá por crime culposo, quando esta modalidade for admitida em lei; dessa forma, o médico não responderá pelo crime, uma vez que não existe o crime de aborto na forma culposa.
Em quaisquer outras hipóteses que não sejam estas, o aborto será considerado um ato criminoso, fazendo com que a gestante ou terceiro respondam por crime contra a vida.


7 ANENCEFALIA



O encéfalo é “parte do sistema nervoso central, contida na cavidade do crânio, e que abrange o cérebro, o cerebelo, a protuberância e o bulbo raquiano” [23] e, devido à complexidade de sua formação, não são raras as vezes que se constata alguma espécie de desenvolvimento anormal nos seres humanos.
A anencefalia, portanto, é uma dessas malformações do encéfalo. Um anencéfalo não tem grande parte do sistema nervoso central, porém preserva o tronco encefálico, o que faz com que mantenha suas funções vitais, tais como o sistema respiratório e cardíaco. O anencéfalo também é capaz de reagir a estímulos de manter a temperatura corporal e de realizar movimentos de sugação e deglutição[24].
Segundo o professor titular de ginecologia da Universidade de São Paulo (USP), José Aristodemo Pinotti:

A anencefalia é resultado da falha de fechamento do tubo neural, decorrente da interação entre fatores genéticos e ambientais, durante o primeiro mês de embriogênese. O reconhecimento de concepto com anencefalia é imediato. Não há ossos frontal, parietal e occipital. A face é delimitada pela borda superior das órbitas que contém globos oculares salientes. O cérebro remanescente encontra-se exposto e o tronco cerebral é deformado. Hoje, com os equipamentos modernos de ultra-som, o diagnóstico pré-natal dos casos de anencefalia tornou-se simples e pode ser realizado a partir de 12 semanas de gestação. A possibilidade de erro, repetindo-se o exame com dois ecografistas experientes, é praticamente nula [25].

Sabe-se que o sistema nervoso pode ser dividido em somático (vida de relação) e visceral (vida vegetativa). Nos fetos anencefálicos, há a ausência do sistema nervoso da vida de relação. Há o funcionamento de receptores, mas não existe a capacidade de interpretação de informação. No anencéfalo, não existe cérebro funcionante, por isso ele não apresenta qualquer grau de consciência, percepção, cognição, comunicação, afetividade e de emotividade, não compartilha de nenhuma experiência humana.
Ocorre que, mesmo comprovado tudo isso, o anencéfalo é considerado um ser humano vivo, uma vez que, por apresentar o tronco encefálico ou parte dele, mantém as funções vitais, tais como o sistema respiratório e o cardíaco.
Dentre muitos estudos feitos sobre este tema tão polêmico, médicos constataram que a malformação está relacionada a fatores ambientais, genéticos, geográficos, sociais e até mesmo ao histórico familiar. Verificaram, ainda, que a anencefalia é mais frequente no sexo feminino, sendo sua incidência de duas a quatro vezes maior do que no sexo masculino, pois está hipoteticamente ligada ao cromossomo X. Além disso, a cada 1.600 mil nascidos vivos no Brasil, dois apresentam esta doença.
A perspectiva de vida desses seres dura, geralmente, um pequeno período de tempo. Cerca de 75% dos conceptos nascem mortos e o restante, salvo raríssimas exceções, falecem no período neonatal, ou seja, duram horas ou poucos dias após o parto[26].

7.1 O Aborto por Anencefalia e o Direito Penal Brasileiro
Uma vez que se concretiza que a morte se constata pela comprovação da morte encefálica, parece ser controverso dizer que tal acepção não serve para os casos de aborto em fetos anencefálicos.
A assertiva defendida por Anelise Tessaro citada abaixo é, no entender da presente pesquisa, presente, equivocada, pois, como já explicitado, o anencéfalo tem vida:

[...] referindo-se aos casos de fetos portadores de anencefalia, acrania ou em que o encéfalo não se formou, e fazendo um paralelo com a Lei 9.434 /97 (que dispõe sobre a retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo para fins de transplante e tratamento), conclui-se que estes fetos estão juridicamente mortos, uma vez que o conceito de morte encefálica corresponde ao diagnóstico morte. Se este dado autoriza a interrupção de emprego de recursos para o suporte de funções vegetativas e permite a retirada de órgãos e tecidos do doador, por que não autorizar a interrupção da gestação, uma vez que é a própria gestante, maior interessada neste procedimento, quem suporta e garante as funções vitais do feto [27].


Assim como ela, parte da doutrina entende que o anencéfalo é um natimorto, por isso, não há que comprovar sua morte, uma vez que o feto nunca teve vida intrauterina. Seguindo esta linha, encontram-se renomados doutrinadores, como Luiz Regis Prado, que ensina:

Em situações como essa, o feto não pode ser considerado tecnicamente vivo, o que significa que não existe vida humana intra-uterina a ser tutelada. [...] Em outros termos: é justamente a inexistência de vida o que permite fundamentar a falta de dolo ou culpa, bem como a consequente falta de um resultado típico [28].


Para Alberto Silva Franco:

[...] embora em ambos os casos - aborto e anencefalia – se possa cogitar de interrupção do processo gestacional é induvidoso que faltam à anencefalia os elementos que denunciam o tipo de aborto, sobretudo, o reconhecimento prévio da existência de vida humana intra-uterina. Trata-se, portanto de conduta atípica.[29]


Por último, vê-se que César Roberto Bittencourt leciona que,

[...] nas hipóteses de anencefalia, embora a gravidez esteja em curso, o feto não está vivo, e sua morte não decorre de manobras abortivas. Diante dessa constatação na nossa ótica, essa interrupção de gravidez revela-se absolutamente atípica e, portanto, sequer pode ser tachado como aborto, criminoso ou não [30].


O argumento da inexistência de vida humana, embora muito respeitado, não é o adotado neste presente trabalho, uma vez que se pretende demonstrar que ciência médica, além de já ter comprovado que o feto anencefálico tem vida, indaga que a discussão do aborto só se faz relevante porque se trata de ser humano vivo. Caso o feto fosse um ser morto, não faria sentido questionar se houve ou não crime de aborto, pois, segundo nossa legislação, nenhuma mulher é obrigada a gestar algo que está morto.
Alguns argumentos imperam para a posição que acredita que o feto anencefálico é um feto com vida.
Carolina Alves de Souza Lima defende que “[...] apesar da ausência de quase todo o encéfalo, o anencéfalo é um ser vivo. A presença de tronco encefálico permite que as funções vegetativas sejam preservadas”[31]. E é a presença dessas funções que diferenciam a morte encefálica e a anencefalia.
Além disso, as ciências médicas reconhecem, na Resolução 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina, que não há consenso quanto à aplicação dos critérios atuais para diagnosticar a morte encefálica em crianças menores de sete dias e prematuros.
Conclui-se, assim, equivocada a tese de que o anencéfalo é um natimorto, pois argumentar que a ausência de parte do encéfalo equivale à ausência de vida humana é incoerente, mesmo porque, segundo entendimento predominante nas ciências medicas, a vida humana inicia-se com a concepção, e a anencefalia só vai ocorrer em torno do [32].
Considera-se, por fim, que o anencéfalo tem vida, uma vez que apresenta as funções vegetativas, entretanto, não se pode negar que se trata de uma vida precária e efêmera, afinal, como já foi dito, o anencéfalo não apresenta grau algum de consciência, de percepção, comunicação, etc.
O aborto por anencefalia não está previsto na legislação penal brasileira e não se consegue entender qual justificativa lógica dada para isso, uma vez que já ficou comprovado que existem maneiras muito eficazes de diagnosticar uma anomalia como esta. A justiça brasileira não pode se distanciar dos avanços científicos e ficar “presa” à falsa moral e à religião, mesmo porque o Brasil é um país laico.
Em 1989, foi concedido o primeiro alvará judicial em Ariquemes, Rondônia, permitindo a interrupção de uma gravidez por causa da anencefalia. Em 1993, foi deferido o primeiro alvará judicial em São Paulo pelo Dr. Geraldo Pinheiro Franco. Desde então, mais de 5.000 (cinco mil) alvarás foram deferidos em todo o País.
A questão é que estas decisões caso a caso exigem três laudos médicos, um laudo psicológico (em São Paulo), o laudo ultrassonográfico atestando o diagnóstico e uma petição que pode ser feita por um advogado dativo. As decisões podem ser rápidas, como são em Brasília (24 horas), ou podem demorar 15 dias ou mais. Há riscos, também, de o pedido ser indeferido, pois muitos juízes encontram-se arraigados em princípios religiosos e fundamentos jusnaturalistas. É claro que cada um tem o direito de ter suas próprias crenças e estas devem ser respeitadas, porém, em tese, vivemos em uma sociedade que zela pela separação entre o Estado e a Igreja.
Muito pertinente é o pensamento de Wilson da Costa Bueno, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA)/USP. Para ele, ciência e religião têm formas muito distintas de leitura do mundo. A religião é parte integrante e fundamental de qualquer cultura. Sua influência, entretanto, deve ficar restrita aos limites que a própria sociedade impõe. Se a opinião pública brasileira é majoritariamente favorável ao livre-arbítrio na questão da interrupção de gestações com fetos portadores de anomalias incompatíveis com a vida, não será o Estado ou a Igreja que poderão decidir o contrário. A ciência e a religião só poderão conviver em harmonia se os limites de sua atuação estiverem claramente definidos[33].
Como se vê, não é uma tarefa simples a legalização do aborto nos casos de anencefalia, mas a solução estará a favor da razão e da ciência.

7.2  O Aborto nos Casos de Anencefalia à Luz do Fundamento e dos Princípios da Bioética

Bioética (ética da vida) é o estudo transdisciplinar entre biologia, medicina, filosofia (ética) e direito (biodireito) que investiga as condições necessárias para uma administração responsável da vida humana, animal e responsabilidade ambiental.
Esta matéria considera questões nas quais não existem consenso moral (como o caso do aborto nos casos de anencefalia). Insta salientar ainda que a bioética não busca novos princípios para atender as demandas sociais, o que se busca é aplicar os princípios éticos às novas situações.
Para Maria Helena Diniz, a bioética é,

Um conjunto de reflexões filosóficas e morais sobre a vida em geral e sobre as práticas médicas em particular. Para tanto, abarcaria pesquisas multidisciplinares, envolvendo-se na área antropológica, filosófica, teológica, sociológica, genética, médica biológica, psicológica, ecológica, jurídica, política, etc., para solucionar problemas individuais e coletivos, derivados da biologia molecular, da embriologia, da engenharia, da genética, da medicina, da biotecnologia, etc., decidindo sobre a vida, a morte, a saúde, a identidade ou a integridade física e psíquica, procurando analisar eticamente aqueles problemas, para que a biossegurança e o direito possam estabelecer limites à biotecnologia, impedir quaisquer abusos e proteger os Direitos Fundamentais das pessoas e das futuras gerações. A bioética consistiria ainda no estudo da moralidade da conduta humana na área das ciências da vida, procurando averiguar o que seria lícito ou científica e tecnicamente possível.[34]


A tecnologia demonstra grande avanço na área de medicina fetal, pois permite realizar diagnósticos muito seguros sobre a formação do produto da concepção, bem como a constatação de inúmeras doenças, uma vez que existem aparelhos de ultrassonografia com resoluções muito precisas.
A anencefalia pode ser diagnosticada no início da gestação, por meio de exames pré-natais e, caso não seja neste primeiro momento, poderá ser, com absoluta certeza, diagnosticada entre o período da vigésima à vigésima segunda semana.
As aplicações tecnológicas devem ser examinadas com o devido respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos, e é neste sentido que a bioética enfrenta uma das mais calorosas discussões sobre o aborto em fetos anencefálicos.
A bioética contribui para alcançar soluções éticas compatíveis com os fundamentos do Estado Democrático de Direito, afinal, seu principal fundamento é o respeito ao ser humano e à sua dignidade, alicerçando-se nos princípios da beneficência, o da não maleficência, o da autonomia e o da justiça.
O princípio da beneficência ensina que o dever ético do profissional da saúde é promover primeiramente o bem estar da paciente e o princípio da não maleficência é um desdobramento deste primeiro, ou seja, é dever dos médicos não causar dano intencional à paciente. O princípio da autonomia estabelece o respeito à liberdade de escolha da paciente, afinal, cada ser humano deve ser respeitado no comando e na autoridade sobre a própria vida. Por fim, tem-se o princípio da justiça, que estabelece a garantia da distribuição justa, equitativa e universal dos benefícios dos serviços da saúde.
Visto isso e fazendo uma adequação com o caso em questão, qual seja, a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia, tem-se que o direito de escolha da mulher deve prevalecer, respeitando consequentemente sua autonomia de vontade e sua dignidade de pessoa humana, pois impor à mulher, por meio da força do Direito, a continuação de uma gestação não mais desejada configura pleno desrespeito aos princípios da bioética e aos Direitos Fundamentais.
Para que esta máxima se materialize, é necessária sua regulamentação legal, por meio de legislação e de políticas públicas que permitam à mulher realizar o aborto com segurança e respeito à sua dignidade.

7.3 A Diferença do Aborto Anencefálico do Aborto Eugenésico

Deve-se vislumbrar primeiramente que o termo “eugenia” foi criado por Francis Galton[35], cientista inglês, que a definiu como sendo um estudo de pessoas em busca de melhoramento genético, tanto na forma física como na forma mental. Atualmente, é um dos conceitos mais carregados de rejeição moral e emocional, o que se deve principalmente às práticas eugênicas utilizadas pelo nazismo na Europa, por meio das leis de higiene racial, e pelas leis de esterilização obrigatória aplicadas em deficientes mentais e criminosos nos Estados Unidos. É por isso que este termo tem um sentindo quase exclusivamente pejorativo.
Enquanto o aborto eugênico permite à mulher interromper a gravidez na possibilidade de a criança nascer com taras hereditárias, o aborto nos casos de anencefalia apenas permite que a gestante interrompa algo que não tem potencialidade de vida, somente, no máximo, uma sobrevida, pois conforme já mencionado, 75% dos anencéfalos morrem dentro do útero da mulher e o restante tem poucas horas de vida após o parto.
O aborto eugênico pretende poupar os pais de terem um filho “especial”, uma vez que, se assim fosse, seriam necessários mais recursos para que a vida de seus filhos pudesse ser prolongada. Em decorrência disso, teria a gestante o direito de decidir a respeito da interrupção ou não da sua gestação. Neste contexto, tem-se a lição de Hélio Gomes:

A interrupção da gravidez para evitar o nascimento de um ser monstruoso, ou apenas deficiente, malformado, ampara na maioria dos códigos dos países desenvolvidos, continua sendo considerada como crime em nosso meio. Mesmo que haja probabilidade de fetopatias graves, tal como ocorre na gravidez em que a mulher contrai rubéola no primeiro trimestre, a realização do aborto não é permitida no Brasil. Nossos legisladores entendem que a probabilidade de nascer um indivíduo defeituoso não autoriza o médico a eliminá-lo. Muito menos a sacrificar a vida dos que não nasceriam incapacitados[36].


É perceptível que o aborto de feto anencefálico se identifica e até se enquadra nos casos de aborto eugênico. Porém vale frisar que este segundo é mais vasto, uma vez que engloba todas as possibilidades de taras hereditárias, incluindo casos em que o feto possui rubéola, síndrome de Down e outras anormalidades.
Todavia, faz-se necessário esclarecer que o enfoque deste trabalho é somente apoiar a descriminalização do aborto nos casos e anencefalia e pode-se fixar de imediato que a prática do aborto eugênico deve continuar configurando como ilícito penal.

7.4 O Aborto Anencefálico em Outros Países

Segundo Coutinho, praticamente todos os países desenvolvidos já pacificaram a questão e autorizam o aborto anencefálico, porém os países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, ainda discutem o assunto e tecem considerações a respeito.
Na Alemanha, o aborto terapêutico é consentido desde que realizado até o terceiro mês de gravidez. Após a decisão da mãe e do médico, a gestante é submetida a um acompanhamento psicológico e a interrupção da gestação deve ocorrer num prazo mínimo de três dias após este aconselhamento. Quando motivada por malformação do feto, a interrupção da gestação pode ser feita nas primeiras 22 semanas. Se for em razão de dano à saúde da mãe, não está condicionada a nenhum prazo. Conta-se com a gratuidade por parte do Estado para essa cirurgia[37].
Na França, a interrupção da gravidez pode ser feita em até seis meses de gestação e, se a gestante for menor de 18 anos, é preciso o consentimento do responsável. Quando se tratar de malformação fetal e risco de saúde ou de morte de morte para a mulher, é preciso um certificado médico, reconhecido por um tribunal administrativo, e o Estado custeia 80% das despesas hospitalares[38].
Na Itália, é imprescindível um certificado médico e da anuência dos pais para menores de 18 anos, suprível judicialmente, além de acompanhamento psicológico. A lei estabelece que as interrupções por motivos sociais e econômicos deverão ocorrer nos primeiros 90 dias de gestação. Para os demais casos de malformação fetal ou de risco de vida da gestante, a interrupção poderá ocorrer fora deste prazo[39].
Em Portugal, o prazo para interromper a gestação devido à malformação ou padecimento de grave doença por parte do feto foi alterado para o limite de 24 semanas. Quando se tratar de preservação da vida ou da saúde física ou psíquica da mãe, deverá proceder-se a interrupção nas primeiras 12 semanas[40].
A Espanha estabeleceu, também, o prazo limite de 22 semanas para realizar o aborto que decorre por malformação fetal, porém a interrupção deverá ser feita por médico distinto daquele que diagnosticou a anomalia e mediante aprovação de mais dois médicos especialistas[41].
Esses dois últimos países (Espanha e Portugal) são extremamente católicos e, mesmo assim, tiveram reformuladas as leis relativas ao abortamento, incluindo-se a legalidade do aborto nos casos de anomalias fetais graves, como a anencefalia. É importante ressaltar que essas adaptações não causaram ruptura entre Estado, Igreja e Sociedade, afinal, seguidores da Igreja Católica não são obrigados a se submeter à nova lei, podendo prosseguir com a gestação até o final.


8 DIREITOS FUNDAMENTAIS EM COLISÃO



Os direitos humanos fundamentais abrangem uma complexa categoria jurídica, uma vez que abarcam direitos inerentes a todos os seres humanos, como o direito à liberdade, à igualdade, à vida e à dignidade. Suas preservações estão diretamente ligadas ao regime democrático do Brasil.
Diante do que já foi exposto, este trabalho, trata dos Direitos Fundamentais em colisão, relacionando principalmente o conflito entre o direito à vida intrauterina do anencéfalo versus o direito à saúde, à liberdade de autonomia reprodutiva e à dignidade da mulher.
Celso Antonio Bandeira de Mello ensina que:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.[42]


Então como proceder diante de princípios em conflitos? Esta resposta se encontra na Constituição Federal de 1988, por meio da análise dos princípios constitucionais de interpretação e da aplicação dos Direitos Fundamentais, assim como na análise do Direito Penal e dos fundamentos e princípios da bioética.
A solução para esses conflitos gera, necessariamente, a restrição de um dos direitos em sua aplicação; assim, quando dois direitos ou mais entram em choque, não há possibilidade de proteger incondicionalmente um deles sem restringir ou tornar o outro menos inoperante.
Para Jane Reis Gonçalves Pereira, há situações nas quais certos direitos que seriam, a princípio, aplicáveis, mostram-se antagônicos, fazendo-se imperioso estabelecer uma acomodação hermenêutica na qual um deles cede, parcial ou totalmente, em favor do outro.[43]
É importante explanar que as colisões entre Direitos Fundamentais só ocorrem no plano concreto, uma vez que, no plano abstrato, todos os Direitos Fundamentais coexistem.
Assim, diante da problemática apresentada, a nossa Lei Maior traz a necessidade de um regime de harmonização para a solução dos conflitos de Direitos Fundamentais. Para isso, utiliza-se como critério a análise dos princípios de interpretação dos Direitos Fundamentais presentes no sistema constitucional.
Apesar de os Direitos Fundamentais poderem ser restringidos, não há unanimidade em relação aos critérios das limitações. O primeiro passo é saber se tais direitos têm natureza de regra ou de princípio.
Segundo Robert Alexy:

Para a teoria dos Direitos Fundamentais, a mais importante delas é a distinção entre regras e princípios. Essa distinção é à base da teoria da fundamentação no âmbito dos Direitos Fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos Direitos Fundamentais. Sem ela não pode haver nem uma teoria adequada sobre as restrições a Direitos Fundamentais, nem uma doutrina satisfatória sobre colisões, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos Direitos Fundamentais no sistema jurídico.[44]


Assim, os princípios são comandos de otimização, porque ordenam que algo seja realizado na sua melhor forma possível, tendo em conta as possibilidades jurídicas, enquanto as regras contêm comandos definitivos, ou seja, são normas que podem ou não ser cumpridas, e, por isso, não há diferentes graus em sua aplicação.
O trabalho partirá do pressuposto que os direitos em colisão já apresentados estruturam-se sob a forma de princípios. Dessa forma, tal conflito de princípios constitucionais será resolvido pelo princípio da proporcionalidade, afinal, critérios clássicos como o critério hierárquico, critério temporal e critério da especialidade não podem ser aplicados. Uma vez que estes princípios estão no mesmo plano hierárquico, são considerados cláusulas pétreas e há falta de especialidade entre eles, ou seja,  só poderá ser resolvido pelo princípio da proporcionalidade.




9   A LICITUDE DO ABORTO NOS CASOS DE ANENCEFALIA EXPLICADA PELOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS



A solução dos conflitos entre Direitos Fundamentais dá-se, primordialmente, com a aplicação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da harmonização.
Os Direitos Fundamentais têm uma hermenêutica própria, ou seja, a hermenêutica jurídica é uma atividade interpretativa que consiste em desvendar a intenção contida na norma.[45]
A Constituição Federal, além de tutelar os Direitos Fundamentais, estabelece seus princípios de interpretação e de aplicação, seja expressa ou implícita, pois o que se busca quando há conflito de Direitos Fundamentais é uma solução que preserve a unidade da própria Constituição Federal.

9.1 Princípio da Concordância Prática ou da Harmonização

Dentre os vários princípios existentes, este é aquele que está mais diretamente relacionado à colisão dos Direitos Fundamentais.
Este princípio determina a coordenação e a conciliação entre os direitos e os bens em conflito, tendo como objetivo evitar o total sacrifício de uns em relação aos outros.
Segundo Ingo Wolfang Sarlet:

Em rigor, cuida-se de processo de ponderação no qual não se trata da atribuição de uma prevalência absoluta de um valor sobre outro, mas, sim, na tentativa de aplicação simultânea e compatibilizada de normas, ainda que no caso concreto se torne necessária a atenuação de uma delas.[46]


Ainda entende Inocêncio Mártires Coelho que o princípio da harmonização ou da concordância prática consiste numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum. Este método hermenêutico também é conhecido como princípio da concordância prática, o que significa dizer que somente no momento da aplicação do texto, e no contexto desta aplicação, é que se podem coordenar, ponderar e, afinal, conciliar os bens ou valores constitucionais em “conflito”, dando a cada um o que for seu.

9.2 Princípio da Proporcionalidade

Este princípio visa aferir a constitucionalidade das medidas restritivas de Direitos Fundamentais e tem, dentre seus principais fundamentos, a dignidade da pessoa humana.
Na aplicação das situações conflitantes entre Direitos Fundamentais, o intérprete avalia a correlação entre os fins visados e os meios empregados nos atos do Poder Público.
Assim, toda vez que o Estado intervir na esfera da liberdade do indivíduo em situações de colisão de Direitos Fundamentais, aplicar-se-á o principio da proporcionalidade, dessa maneira, tal intervenção se dará somente quando necessária.
Por fim, este princípio deve ser adequado, necessário e proporcional (sentido estrito), ou seja, de acordo com o que preceitua o referido princípio.

9.2.1 Subprincípio da adequação

O subprincípio da adequação, também conhecido como princípio da idoneidade ou principio da conformidade, trata das situações nas quais há um único meio idôneo para a obtenção de um fim.
No caso concreto, o impasse é o seguinte: ou se permite o aborto nos casos de anencefalia, preservando os direitos à saúde física, psíquica e à liberdade de escolha da mulher quando esta optar pela interrupção da gestação e se restringe o direito à vida do anencéfalo, ou se preserva a vida do concepto anencefálico e não permite o aborto.
Neste caso, fica nítido que só é possível preservar a completude de um dos bens jurídicos tutelados, cabendo ao intérprete do direito buscar identificar qual fim é perseguido pela medida restritiva e verificar se este está de acordo com o sistema constitucional.

9.2.2 Subprincípio da necessidade

Este subprincípio é também conhecido como princípio da exigibilidade, da indisponibilidade, da menor ingerência possível e da intervenção mínima.
Ele ensina que, dentre as várias medidas restritivas de Direitos Fundamentais igualmente aptas para atingir o fim perseguido, a Constituição Federal determina que o intérprete escolha aquela menos lesiva ao Direito.
Assim, este subprincípio se enquadra no caso do aborto consentido do anencéfalo, porque no conflito entre o direito à vida intrauterina versus o direito à saúde física e psicológica e à liberdade de autonomia de vontade, o único meio idôneo para atingir o fim visado é a realização do aborto, sendo este ato, sobretudo, o menos gravoso possível, e, consequentemente o de intervenção.

9.2.3 Subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito

Este subprincípio exprime a ponderação de bens. Nesta última etapa, é realizada a solução das colisões entre os princípios fundamentais; para que uma restrição seja legítima, deve haver o juízo de ponderação, no qual se analisará o grau de afetação do direito fundamental restringindo e a importância da realização do direito que prevalece.
Em síntese, este subprincípio postula que o intérprete da lei deve avaliar se a finalidade perseguida com a medida restritiva compensa os prejuízos que dele decorrerão.
Então, verifica-se que o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito também atende aos casos do aborto consentindo do anencéfalo, afinal, o direito à vida intrauterina cederá para a preservação dos direitos da gestante, porque impor uma gestação nestas circunstâncias à mulher é tortura.
Conclui-se que a melhor escolha, no caso concreto, é aquela que traz mais conforto para a gestante, que está inserida em uma realidade totalmente deprimente, pois fará com que ela elabore seu luto da forma mais saudável possível.
Ao Estado caberá exclusivamente garantir que a mulher tenha livre-arbítrio em sua escolha, sem qualquer tipo de interferência e reprimenda, pois continuar considerando crime o aborto nos casos de anencefalia é colocar a mulher em pleno desrespeito à sua condição humana.



10   ESTUDO DA ARGUIÇÃO DO DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº. 54



Antes de um estudo mais aprofundado da Arguição do Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, cabe esclarecer seu conceito e finalidade.
Na Constituição de 1988, o único dispositivo que versa sobre esta ação é o artigo 102, parágrafo 1°, nestes termos: “A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. Desse modo, todas as regras relativas à ação estão dispostas na Lei 9.882 de 1999.
As hipóteses de cabimento previstas na lei são: a) para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público, e quando não houver outro meio eficaz de sanar a lesividade, b) quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal.
Visto essas considerações, serão tratadas neste estudo a petição inicial da ADPF nº 54 e as suas principais decorrências.

10.1 Petição Inicial da ADPF nº 54

Em 17 de junho de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS), por intermédio de seu advogado, Luiz Roberto Barroso, ajuizou a referida ADPF nº 54, indicando como preceitos fundamentais vulnerados o artigo 1º, IV, (trata da dignidade da pessoa humana), o artigo 5º, II (trata da legalidade, liberdade de autonomia de vontade) e os artigos 6º, caput e 196 (trata do direito à saúde), todos da Constituição Federal, e, como ato do poder público causador da lesão, os artigos 124, 126, caput, e 128, I e II do Código Penal.
O principal objetivo dessa petição é declarar inconstitucional, com eficácia abrangente e efeito vinculante, o impedimento da antecipação terapêutica do parto nos casos de gestação de anencefalia, quando diagnosticado por médico habilitado. Requereu, ainda, que fosse concedida liminarmente medida cautelar para suspender o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais nestes casos, haja vista o fumus boni iuiris e o periculum in mora.
Os principais argumentos da ADPF nº 54 [47] podem ser assim resumidos:
·      A anencefalia é "a ausência de cérebro", anomalia que importa na inexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central: consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade; entretanto, permite algumas funções inferiores responsáveis pela respiração, as funções vasomotoras e a medula espinhal.
·      Aproximadamente 75% dos fetos anencefálicos morrem no período intrauterino; os que nascem com vida morrem no máximo algumas horas após o parto.
·      Diagnosticada a anencefalia, não há nada que a ciência médica possa fazer quanto ao feto inviável, pois não há qualquer tratamento ou reversão de quadro que possibilite a vida do feto. A morte do anencéfalo é inevitável e certa.
·      O anacronismo da legislação penal não pode impedir o resguardo dos Direitos Fundamentais consagrados na Constituição. Entende-se que na década de 40 não havia tecnologia necessária para diagnosticar tais anomalias, tanto que o primeiro alvará judicial concedido foi em 1989, quase 50 anos depois da promulgação do Código vigente, e daí a explicação do porque não estava como hipótese de excludentes da ilicitude no crime de aborto.
·      Impor à mulher a obrigação de gestar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, que não sobreviverá, causando-lhe dor, angústia e frustração, é tortura, o que ofende sua dignidade humana, princípio norteador do Estado Democrático de Direito.
·      Além da ofensa ao princípio da dignidade, outros direitos, como a liberdade de autonomia reprodutiva e o direito à saúde da gestante, são fortemente transgredidos, e a solução para isso é reconhecer, como direito constitucional da gestante em casos de gravidez de fetos anencefálicos, a opção de submeter-se ao procedimento da interrupção da gravidez licitamente, e direito do profissional da saúde de realizar legalmente esta interrupção.

10.2 A Decisão do ministro Marco Aurélio

No dia 1 de julho de 2004, o, então, ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello proferiu decisão monocrática e liminar a favor da interrupção da gravidez nos casos de gestação de anencéfalos.
Sua decisão teve como dispositivo final:

Daí o acolhimento do pleito formulado para, diante da relevância do pedido e do risco de manter-se com plena eficácia o ambiente de desencontros em pronunciamentos judiciais até aqui notados, ter-se não só o sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em julgado, como também o reconhecimento do direito constitucional da gestante de submeter-se à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, a partir de laudo médico atestando a deformidade, a anomalia que atingiu o feto[48].


Assim, vê-se que o referido ministro acolheu o pleito, porém tal decisão necessitava da chancela dos demais ministros, que apreciariam a sua permanência no sistema jurídico processual.

10.3 Manifestações da CNBB

A Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB) requereu seu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae e apresentou um memorial postulando a revogação da medida da cautelar deferida liminarmente.
Segundo a CNBB, não poderia uma decisão monocrática precária legislar positivando uma nova hipótese de exclusão de aborto. Para eles, esta matéria é de suma relevância, uma vez que discute o direito à vida e a Confederação opta incondicionalmente à defesa deste direito nos seus memoriais.
Em síntese, o memorial indagava o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o que é um ser humano e o que é considerado um ser não humano, enquadrando especificamente o fato de o anencéfalo ser considerado um ser humano ou não, como vê:

Vislumbrar o feto anencefálico como uma ‘coisa’ sub-humana, patologia, ou qualificações similares nos lembra a retórica nazi-fascista ou daqueles que desprezam a pessoa humana. Destila-se contra o feto anencefálico o ódio venenoso que mata qualquer sentimento de civilização que temos. Nós não podemos nos juntar às culturas que matavam àqueles que não atendiam as suas expectativas, sejam quais forem: físicas, estéticas, éticas, religiosas, sexuais, econômicas, raciais etc.[49]


Alegou ainda que é cruel proteger juridicamente somente seres com viabilidade de vida extrauterina, pois a dignidade do feto não pode ser inferior ao bem-estar da gestante. Indagou se a gravidez de um feto anencefálico pode ser comparada à tortura somente pelo fato de o feto não corresponder às expectativas dos pais, ao afirmar o seguinte:

Não será a antecipação da morte que livrará a mãe ou o feto de seus sofrimentos. O sacrifício da vida fetal, nada obstante a inviabilidade extra-uterina, não se justifica em face dos interesses maternos ou familiares. O sacrifício de uma vida, e o feto anencefálico é ser humano vivo, insistimos, porque essa vida é inviável socialmente não pode ser aceito no atual estágio e grau de desenvolvimento de nossa cultura[50].


Esclareceu que os avanços da medicina não podem anular as concepções éticas e morais de uma sociedade e que o dever dos médicos é, acima de qualquer coisa, resguardar o direito à vida, e não eliminá-la.
Por fim, a CNBB rebateu o argumento de que a ADPF zela pelo princípio da dignidade da pessoa humana ponderando que um Estado que se considera Democrático deveria proteger primeiramente os mais frágeis, e não matá-los ou antecipar terapeuticamente sua morte.

10.4 O Parecer da Procuradoria Geral da República

Cláudio Fonteles, que à época do parecer chefiava a Procuradoria Geral da República, requereu o indeferimento do pleito da CNTS. Para ele, há duas situações extintivas de punibilidade em relação ao aborto, e estas são claras e precisas, estando dispostas no artigo 128 do Código Penal vigente:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto Necessário
1-    se não há outro meio de salvar a vida da gestante
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
2-    se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.


Assim, a situação da anencefalia não se encaixa nas hipóteses acima colacionadas, e como o Código Penal adota a regra da estrita legalidade, não permitindo interpretações analógicas, o aborto nos casos de anencefalia é proibido.
Indaga o procurador geral da República que o direito à vida é um direito constitucional e que deve ser resguardado ao máximo, uma vez que sentido faz proteger outros direitos se não houver vida? Alega ainda que o Código Civil, em seu artigo 2°, dispõe o direito à vida desde a concepção, então, este, quiçá, seria letra morta?
Neste mesmo sentido, preceitua o artigo 41 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que anuncia: “Toda pessoa tem direito que respeite sua vida. Este direito estará protegido pela lei no geral, a partir do momento da concepção”.
Assevera também o artigo 1° da Convenção sobre os Direitos da Criança, sobre o direito à vida, e invoca o Preâmbulo da Convenção: “a criança, por falta de maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, aí incluída a proteção legal, tanto antes, como depois, do nascimento”.
Assim, ele concluiu que tanto os diplomas legais como os internacionais zelam pela vida desde a concepção.
Por fim, o procurador termina com a seguinte indagação em relação ao princípio da proporcionalidade entre os direitos dos anencéfalos versus os direitos da gestante: “[...] por certo o sofrer uma dor, mesmo que intensa, não ultrapassa o por cobro a uma vida, que existe, intrauterina, e que, seja sempre reiterado, goza de toda a proteção normativa, tanto sob a ótica do direito interno, quanto internacional”[51].

10.5 A Decisão Cautelar do Pleno do STF

Em sessões de julgamento ocorridas nos meses de agosto e outubro de 2004 e em abril de 2005, o Plenário do STF apreciou questões de ordem relativa ao cabimento da ADPF 54 e sobre a medida cautelar monocrática e liminarmente deferida pelo relator ministro Marco Aurélio, decidindo por sua revogação no que tange à permissão do aborto, e mantendo em relação à suspensão dos processos em curso, até a decisão final do STF, ou seja, o Tribunal resolveu questão de ordem, conheceu do cabimento da ADPF e admitiu o ingresso de várias entidades como amicus curiae.
O julgamento dessas decisões se deu nos seguintes termos:

ADPF – ADEQUAÇÃO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – FETO ANENCÉFALO – POLÍTICA JUDICIÁRIA – MACROPROCESSO. Tanto quanto possível, há de ser dada seqüência a processo objetivo, chegando-se, de imediato, a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados na Lei Fundamental - como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade -, considerados a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto adequada surge a argüição de descumprimento de preceito fundamental[52].
ADPF – LIMINAR – ANENCEFALIA – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – GLOSA PENAL – PROCESSOS EM CURSO – SUSPENSÃO. Pendente de julgamento a argüição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo Tribunal Federal[53].
ADPF – LIMINAR – ANENCEFALIA – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – GLOSA PENAL – AFASTAMENTO – MITIGAÇÃO. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reserva, não prevalece, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, liminar no sentido de afastar a glosa penal relativamente àqueles que venham a participar da interrupção da gravidez no caso de anencefalia[54].


O relator Marco Aurélio Mendes de Farias Mello manteve o seu entendimento esposado na mencionada liminar favorável concedida ao pleito da CNTS. O relator foi acompanhado pelos ministros Carlos Ayres Britto e Celso de Mello, bem como pelo ex-ministro Sepúlveda Pertence. Votaram em sentido contrário os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Nelson Jobim e Carlos Velloso, resultando na revogação da liminar concedida anteriormente.
O ministro Carlos Britto fundamentou seu voto a favor expondo que o anencefálico não será pessoa viável e não tem vida em sentido pleno, sendo o útero materno uma espécie de (Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) que mantém a sua vida "artificialmente". Não haveria porque obrigar a gestante a continuar com uma gravidez que não resultará em vida.
A divergência foi inaugurada pelo ministro Eros Grau no sentido de que, uma vez existente a dúvida acerca do cabimento da própria ADPF, não deveria subsistir a liminar concedida monocraticamente pelo Relator e, no que tange o mérito, os ministros que votaram desfavoravelmente à liminar tiveram como embasamento os abaixo argumentos explicitados.
O ministro Eros Grau alegou que o feto anencefálico é pessoa humana, e não uma coisa, e não há risco de morte para as mães-gestantes de fetos com essa patologia.
O ministro Cezar Peluso se pronunciou no mesmo sentido. Para ele, o feto anencefálico é ser humano, pessoa física, titular de direitos, e não coisa ou objeto de livre disposição das pessoas. A brevidade da vida extrauterina ou a sua iminente morte pós-parto não retira a proteção penal da vida intrauterina do feto anencefálico.
Já O ministro Gilmar Mendes afirmou que a matéria em questão trata de valores sensíveis, e que se estaria ensejando a uma "mutação constitucional" mediante a atuação da jurisprudência do STF.
Na mesma linha, o ministro Carlos Velloso afirmou ser incabível a cautelar, sobretudo porque não havia risco de morte para as gestantes, mas, sim, para os fetos anencefálicos. E, entre o direito à vida do anencéfalo e à dignidade da mãe, ele opta por defender o primeiro.
Na sessão de julgamento ocorrida em 27 de abril de 2005, o STF, por maioria, julgou admissível a ação. Votaram pela admissibilidade os ministros Marco Aurélio (Relator), Nelson Jobim (à época, Presidente), Sepúlveda Pertence (à época, Decano), Celso de Mello, Gilmar Mendes, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Votaram pela inadmissão os ministros Eros Grau, Carlos Velloso, Ellen Gracie e Cezar Peluso.
Entretanto, essa Corte ainda não apreciou definitivamente o mérito da presente controvérsia. Portanto, a questão permanece aberta. Ou seja, o STF ainda não decidiu se a antecipação terapêutica do parto de feto anencefálico é conduta lícita ou ilícita.
Até a presente data, ou seja, 24 de maio de 2010, em face da revogação da liminar, permanecem válidas as disposições do Código Penal e estão sujeitas às cominações legais as gestantes e/ou profissionais de saúde que realizarem esse tipo de procedimento cirúrgico.
No ano de 2010, o STF está formado pelos seguintes ministros: Cezar Peluso (presidente), Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello, Ellen Gracie, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia Rocha e Dias Toffoli. Acredita-se que o julgamento da ADPF 54 será realizado ainda neste ano, sendo, então, esses os ministros responsáveis pela decisão da legalidade da interrupção ou não, ou seja, está nas mãos dessas 11 pessoas a decisão que pode ou não tornar legal a interrupção da gestação nos casos de gravidez de fetos anencefálicos




11 CASO MARCELA



Um dos casos mais famosos no Brasil em relação à anencefalia ocorreu no município de Patrocínio Paulista (SP), com a menina Marcela de Jesus Galante Ferreira. Ela nasceu no dia 20 de novembro de 2006 e sobreviveu por um ano e oito meses, apesar de diagnosticada a anencefalia quando ainda estava no ventre da mãe.
O fato, amplamente noticiado na imprensa, foi divulgado como um caso de anencefalia com longa sobrevida; entretanto, este trata de uma situação clássica da falsa ideia de anencefalia, pois a base da imagem tomada em uma tomografia mostrou que Marcela apresentava região do cerebelo, tronco cerebral e um pedacinho do lóbulo temporal. Assim, vê-se que a menina Marcela não tinha anencefalia, porque tal anomalia justamente se caracteriza pela inexistência desses órgãos.
Thomaz Rafael Gollop, especialista em medicina fetal e professor da USP, garantiu que Marcela tinha merocrania, uma malformação rara – existem apenas dez casos relatados na literatura médica –, menos grave que a anencefalia, pois a criança apresenta um resquício do cérebro, ao contrário dos anencéfalos, que não têm nada, apenas é revestido por uma membrana chamada cerebrovasculosa.[55]
Seguindo a mesma linha de entendimento, tem-se o médico neuropediatra José Luiz Gherpelli, do Hospital Albert Einstein e do Hospital das Clínicas da USP, e o neurocirurgião Guilherme Carvalhal Ribas, também do Einstein. “Já tentei explicar na mídia há bastante tempo que não se tratava de anencefalia”, afirma Ribas. “Na Europa, há mais de 30 anos, isso é ponto pacífico, você nem encontra esses fetos para estudar porque as mulheres abortam antes”[56], acrescenta. Os três chegaram juntos ao diagnóstico de merocrania.
Segundo Everton Petersen, no entanto, essa confusão é compreensível, já que a imagem de um feto com merocrania é semelhante à de um anencéfalo, pois ambos apresentam aspecto de sapo com olhos exuberantes.[57]
Após o médico Everton Pettersen garantir que a menina Marcela de Jesus não era anencéfala e defender a realização da antecipação de partos nestes casos, alegando que impor uma gestação nessas condições à mulher é uma tortura psicológica, o ministro Marco Aurélio de Mello se pronunciou da seguinte forma: “Espero que o placar seja acachapante, seja de 11 a 0”[58].


12 FUNDAMENTO DOGMÁTICO DO ABORTO ANENCEFÁLICO



Em um trabalho jurídico, é de suma importância discutir acerca dos aspectos criminais que envolvem a prática da interrupção da gravidez quando constatada a anencefalia.
Grande polêmica é sobre o exato enquadramento dogmático destes abortos, ou seja: haveria exclusão de antijuridicidade, da punibilidade ou da tipicidade? Para esta resposta, é necessário saber o significado destes três institutos do Direito Penal.
A antijuridicidade caracteriza a relação de contrariedade que se estabelece entre o fato típico e o ordenamento jurídico, contrária a uma norma jurídica. Surge quando uma conduta humana lesiona ou submete a risco de dano um interesse protegido pelo Direito. Assim, pode-se dizer que todo fato típico é, a princípio, antijurídico.
Tendo o conceito de antijuridicidade, pode-se afirmar que exclusão de antijuridicidade ocorre quando o fato, apesar de permanecer típico, é acobertado por uma das causas excludentes da antijuridicidade, quais sejam: legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito.
Presente as causas excludentes acima arroladas, não haverá injusto penal, e assim não haverá crime.
Há autores, como Carolina Alves de Souza Lima[59], que defendem que a permissão do aborto nos casos de anencefalia, desde que haja o consentimento da gestante, enquadra-se em hipótese de exercício regular do direito, causa excludente de ilicitude, conforme estipulado no artigo 23, inciso III do Código Penal. A fundamentação para os doutrinadores que adotam tal posição é de que a interrupção da gravidez da gestante é lícita porque está em conformidade com a interpretação constitucional dos Direitos Fundamentais, bem como com o princípio da proporcionalidade. A aplicação deste princípio faz com que o aborto seja lícito e que a penalização deste seja de flagrante inconstitucionalidade.
Os doutrinadores que defendem que o aborto nos casos de anencefalia recai sobre a inexigibilidade de conduta entendem que o Direito não pode exigir do indivíduo comportamento heroico e, quando uma norma impõe que o indivíduo aja fora dos limites da exigibilidade, faltará esse elemento e, com ele, a culpabilidade.
Neste sentido, Luiz Augusto Coutinho[60] ensina que a própria culpabilidade exige comprovação, pois, embora tenha o agente conhecimento e consciência de que praticou um fato típico, antijurídico e culpável, não seria aconselhável, do ponto de vista legal, impor-lhe uma sanção penal. Segundo ele, é exatamente nesta situação que se encontra a mãe que carrega no ventre um feto anencéfalo.
Assim sendo, os defensores desta linha justificam seu entendimento na exclusão da culpabilidade, ou seja, alegam que, uma vez constatada a hipótese de vida inviável por grave anomalia acometida ao feto, não há dúvida de que a previsão legal deveria ser favorável à interrupção da gestação, porque não seria justo submeter a gestante ao intenso sofrimento de carregar consigo um feto sem nenhuma perspectiva de vida futura.
Compartilham também desse entendimento André Eduardo de Carvalho Zacarias e Damásio de Jesus.
A segunda corrente defende que o aborto nos casos de anencefalia versa sobre excludente de ilicitude. Esta posição se formou no ano de 1997, quando o senador Íris Resende constituiu uma comissão para atualizar a parte especial do Código Penal. Este anteprojeto, quando concluído, foi entregue ao Senador Renan Calheiros e alegava, dentre outros pontos, que o artigo 128 do Código Penal deveria dispor do inciso III, o qual daria uma nova hipótese de exclusão de ilicitude, nestes termos:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
III: há fundada probabilidade, atestada por dois médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias que o tornem inviável.


É importante frisar que o anteprojeto não impõe a interrupção da gravidez, apenas exclui a ilicitude da situação, desde que tal aborto seja feito com o consentimento da gestante ou, quando esta for incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, marido ou companheiro.
Luiz Vicente Cernicchiaro[61] fundamenta sua tese no princípio da dignidade humana, pois não é razoável compelir à gestante prosseguir com uma gravidez que não se caracteriza pela real constituição de um novo ser.
Por fim, a última corrente trata que a interrupção da gravidez de anencéfalos não constitui ilícito penal porque se enquadra justamente num fato materialmente atípico.
Luiz Flávio Gomes, importante jurista brasileiro, adota tal tese e enfatiza que o pedido da ADPF 54 não é para a Suprema Corte legislar, e sim para decidir, conforme as regras e princípios constitucionais, se o aborto anencefálico é ou não um fato típico. Para ele, este aborto não está inserido no âmbito da proibição legal, ou seja, não se enquadra nas normas proibitivas estipuladas nos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal.
Esclarece ainda o autor supradito que,
O tipo penal nos crimes dolosos (de acordo com a teoria constitucionalista do delito que adotamos) é a soma da tipicidade formal (ou objetiva) + tipicidade material (ou normativa) + tipicidade subjetiva. Da tipicidade material fazem parte três juízos valorativos distintos: juízo de desaprovação da conduta, juízo de desaprovação do resultado jurídico e juízo de imputação objetiva do resultado. O resultado jurídico (lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico), para ser desvalioso (desaprovado), precisa reunir quatro características: (a) concreto; (b) transcendental; (c) grave (não insignificante) e (d) intolerável. A quarta exigência que advém do resultado jurídico desvalioso é a intolerabilidade da ofensa. A ofensa, portanto, além de real, transcendental e grave, deve ser também intolerável [...]. Seja por força da exigência de que relevante somente pode ser a ofensa intolerável (princípio da fragmentariedade do Direito penal), seja em razão da teoria da adequação social, o fato é atípico quando não perturba [...] o convívio social justamente porque a ofensa é tolerada pela (quase) unanimidade da comunidade ou não é desarrazoada.[62]

Quando há interesse relevante em jogo, que torna razoável a lesão ao bem jurídico vida, não há que se falar em resultado jurídico desvalioso (ou intolerável). Ao contrário, trata-se de resultado juridicamente tolerável, na medida em que temos, de um lado, uma vida inviável (todos os fetos anencefálicos morrem, em regra poucos minutos após o nascimento), de outro, um conteúdo nada desprezível de sofrimento (da mãe, do pai, da família etc.).[63]


Ante o exposto, tem-se que o enquadramento da atipicidade material é o mais correto em relação ao aborto nos casos de anencefalia, porque não há o que falar em resultado jurídico desvalioso em tais circunstâncias, senão veja-se: a morte do feto anencéfalo é para assegurar que outros direitos garantidos também constitucionalmente prevaleçam.
Da mesma maneira que o artigo 5° da Constituição Federal assegura o direito à vida, os artigos 1°, IV, 5°, II, 6° e 196, também da Constituição Federal, asseguram o direito a uma vida digna, o direito da autonomia de vontade, o direito à saúde.
Torna-se necessário, então, fazer uma ponderação e relembrar que não existe direito absoluto; muitos doutrinadores e juristas argumentam sobre a inviolabilidade do direito à vida, qualificando-o como indisponível e o mais fundamental de todos os direitos, entretanto, entende-se que, apesar de nobre, o argumento é juridicamente incorreto, afinal, em um Estado Democrático de Direito não existe sequer um direito que possa dizer ser absoluto. Segundo as palavras do procurador de Justiça Edison Miguel da Silva Jr.:

O direito à vida, embora seja o mais fundamental de todos os direitos, não é intocável. Ele existe, como todos os outros, para a realização de um valor: não é um fim em si mesmo. A solução justa não é aquela que simplesmente observa a literalidade do texto legal, mas aquela que melhor realiza o valor que deu origem ao texto legal[64].


Por isso, este trabalho tem ainda como objetivo defender a redação do art. 4° da Convenção Americana de Direitos Humanos, que postula que ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente, e por arbitrariedade entende-se abusividade e, consequentemente, ilegalidade. Assim, quando há interesses relevantes em jogo (direito à vida precária do feto versus direitos da mulher), o que torna razoável a lesão ao bem jurídico vida, não há resultado jurídico desvalioso.
Dessa forma, tem-se que a conduta incriminadora do artigo 124 é provocar arbitrariamente o aborto, e a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia, situação na qual o que se tutela é uma vida cientificamente inviabilizada, não é arbitrária, por isso diz que o caso é atípico.
A total inviabilidade do feto é o pressuposto necessário para defender a tese da atipicidade material da conduta, pois, como já discutido em tópico anterior, o aborto eugenésico não pode ser confundido com este aborto. Assim, se as gestantes resolverem provocar o aborto quando constatado que o feto tem deficiência mental ou física, o aborto seria considerado arbitrário e, portanto, ilegal, pois só se justifica a morte antecipada do feto quando a vida está totalmente anulada.
Existe, ainda, um Projeto de Lei nº. 4.403, de 2004, cuja autora é a deputada Jandira Feghali, que acrescentou um inciso ao artigo 128 do Código Penal, no sentido de permitir o aborto nos casos de gravidez de feto anencéfalo.
A autora alega que há evidência científica de que o feto não terá vida extrauterina por mais de 48 horas, e mesmo assim as gestantes brasileiras são forçadas a levar até o fim esta gestação, transformando esta fase de extrema felicidade em um martírio psicológico.
Assevera a autora que o Estado deve dar a opção para que cada mulher possa decidir se terá ou não condições físicas e psicológicas para levar a termo a gravidez, sendo um grande retrocesso a negação deste direito, pois só se salientará o abismo criado entre o Direito Penal e os Direitos Humanos Fundamentais.


13 PORQUE O DIREITO DA MULHER GESTANTE DEVE PREVALECER



Uma vez constatado os conflitos dos princípios dos Direitos Fundamentais da mulher e do concepto, crê-se que, para um resultado mais “justo”, deve-se buscar o equilíbrio e a relação harmônica entre as duas grandezas, afinal, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu um novo paradigma na relação entre o Direito Constitucional e o Direito Penal.
Sabe-se que a função primordial do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos, e é por esse motivo que o Direito Penal pune as mulheres e os médicos que optam por fazer a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia; entretanto, ressalta-se que esta prática, além de cruel, é ilegal, como se pode ver:
De acordo com a corrente que se adota neste trabalho[65], crime é todo fato típico e antijurídico (ilícito). Assim, deverá ser observada a tipicidade da conduta e, depois, verificar se ela é ilícita ou não. Caso seja uma conduta típica e ilícita, há crime. A culpabilidade não faz parte do conceito de crime, é apenas pressuposto de punibilidade, ou seja, pressuposto de aplicação da pena. Dessa maneira, constata-se como o aplicador do Direito encontra todos os caminhos que podem ser percorridos para verificar, em cada concreto, se houve ou não a prática de um crime. A ausência de qualquer desses elementos exclui o crime.
Sendo assim, o aborto nos casos de anencefalia, desde que haja a anuência da gestante, atende a todos os princípios e subprincípios da proporcionalidade, tornando o fato materialmente atípico.
Para Luiz Flávio Gomes, a base dessa valoração decorre de uma ponderação (em cada caso concreto) entre o interesse de proteção de um bem jurídico (que tende a proibir todo tipo de conduta perigosa relevante) e o interesse geral de liberdade (que procura assegurar um âmbito de liberdade de ação, sem nenhuma ingerência estatal).[66]
Com a aplicação do princípio da proporcionalidade, opta-se pela prevalência dos direitos da mulher, tornando a penalização do aborto nos casos de anencefalia inconstitucional por violar o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como da liberdade da gestante. O excelentíssimo ministro Marco Aurélio de Mello segue o mesmo entendimento:

Definitivamente, não tive como aquiescer à ignomínia de, à luz da letra fria – e quiçá morta - da lei, condenar-se a gestante a suportar meses a fio de desespero à liberdade e à autonomia da vontade, direitos básicos imprescindíveis, consagrados em toda a sociedade que se afirme democrática [...] Penso que no cerne da questão, está a dimensão humana que obstaculiza a possibilidade de se coisificar uma pessoa, usando-a como objeto. São muitos e de crucial importância os valores em jogo. A um só tempo, cuida-se do direito a saúde, do direito a liberdade em seu sentido maior, do direito a preservação da autonomia de vontade, da legalidade, e acima de tudo, da dignidade da pessoa humana[67].


Por fim, julga-se de suma importância ressaltar que este trabalho não se coloca a favor nem da vida, nem da morte do concepto anencéfalo, tampouco a favor ou contra o aborto, mas, sim, de solucionar o conflito existente entre os Direitos Fundamentais.




14 CONSIDERAÇÕES FINAIS



Diante do que foi exposto, constata-se que o bem jurídico dos seres humanos por excelência é a vida, pois somente a partir dela que os indivíduos passam a ter titularidade de todos os outros direitos resguardados na Constituição Federal de 1988.
A vida é protegida constitucionalmente a partir da concepção, como bem preceitua o artigo 5º da legislação supramencionada. O direito não é uma ciência estática e não existe direito absoluto, portanto, pertinente foi o Pacto de São José da Costa Rica e a redação do art. 4º da Convenção Americana de Direitos Humanos, que diz: “ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. A interpretação destes artigos, claramente, se encaixa perfeitamente aos casos do aborto de portadores de anencefalia fetal.
Assim, não deve o Direito Penal punir a prática do aborto de fetos anencefálicos, desde que esta interrupção seja feita por médicos habilitados e com o consentimento da gestante.
Percebe-se que não se justifica impor à mulher uma gestação em que o concepto não possui e nunca possuirá consciência biológica para adquirir consciência de si e do mundo. Dessa maneira, o princípio da dignidade da gestante, que é norteador do Estado Democrático de Direito, deverá prevalecer frente ao direito da vida do concepto.
A possibilidade de realizar o abortamento por vias legais não evitará o sofrimento da mulher que vive essa situação extremamente dramática, mas certamente lhe proporcionará alívio saber que seus direitos de cidadania serão assegurados e respeitados perante uma decisão baseada em seus próprios princípios morais e religiosos.
Além do mais, o Brasil é o quarto país do mundo a ter mais fetos portadores de anencefalia e é um dos poucos países onde a interrupção da gravidez não é autorizada, fazendo, assim, com que a gestante possa responder por crime doloso contra a vida, o que se verificou ser um total desatino de valores e preceitos constitucionais. 
Em outras palavras, este trabalho pretende que, nos casos de anencefalia, o ordenamento jurídico não compila à mulher a levar a termo uma gravidez contra sua vontade, pois, conforme todo o exposto, esta obrigação configura absoluta ofensa a todos os direitos estudados aqui.
Nessas situações em particular, o direito à vida intrauterina deverá ceder diante dos direitos à saúde e à liberdade de autonomia reprodutiva da mulher, para que, assim, a gestante possa realizar o aborto licitamente.
Em suma, acredita-se ter chegado a hora de contemplar a sociedade brasileira com um instrumento jurídico moderno, que permita às pacientes tomar livremente a decisão de manter ou interromper tais gestações, dentro dos mais elevados princípios de ética. Este instrumento poderá nos chegar às mãos através de uma decisão dos onze membros do Supremo Tribunal Federal, ou mesmo através de uma necessária reformulação do Código Penal.
Obviamente, uma vez modificada a legislação em relação ao abortamento, ninguém será obrigado a interromper uma gravidez sem desejá-lo. Deverá ser assegurado, entretanto, o direito de outros segmentos da nossa população pensarem e agirem diferentemente nessa penosa questão.
Avançar na discussão, de forma não impositiva, contribui e colabora com o Estado Democrático de Direito. Afinal, a interrupção da gravidez, comprovada a anencefalia fetal, não está em desacordo com os preceitos constitucionais e com o ordenamento jurídico pátrio. Ao contrário, a legalização dessa opção – pois é disto que se trata, de dar à mulher a opção de interromper ou não a gravidez – está em perfeita consonância com os valores defendidos pela Constituição.


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[1] BECCARIA apud GOMES, Luiz Flávio. Aborto anencefálico.Direito não é religião. Jus Navigandi, 21 set. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11752>. Acesso em: 22 abr. 2010.
[2] Ibid.
[3] TRATADO INTERNACIONAL – PGE. Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 25 de junho de 1993. Artigo 5º. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/
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[4] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: 1988.

[5] KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70, 2000. p. 56.
[6] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2007. p. 46-47.
[7] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 197-198.
[8] BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (1824).
[9] LIMA, Carolina Alves de Souza. O Aborto e a Anencefalia: Direitos Fundamentais em colisão. Curitiba: Juruá, 2008.  p. 17.
[10] BRANDÃO, Dernival da Silva. O Embrião e os Direitos Humanos: O Aborto Terapêutico. In: A Vida dos Direitos Humanos: Bioética Médica e Jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1999. p. 22-23.
[11] SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 43.
[12] GOLLOP, Thomaz. Riscos Graves à Saúde da Mulher. Anencefalia. In: Anencefalia: O Pensamento Brasileiro em sua Pluralidade. Brasília: ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, out. 2004. p. 27-28.

[13]  ANDALAF, Jorge. O Fim da Peregrinação. Brasília: ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, out. 2004.  p. 31.
[14] BENUTE, Gláucia Rosana Guerra. Do Diagnóstico de Malformação Fetal Letal à Interrupção da Gravidez: Psicodiagnóstico e Intervenção. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005. p. 6.
[15] Ibid., p. 162.
[16] Ibid., p. 163.
[17] CALABUIG apud MARLET, José Maria. Conceitos Médico-Legal e Jurídico de Morte. Justitia. São Paulo, 1987. p. 44-45.
[18] PAPALEO, Celso Cezar. Aborto e Contracepção. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 48.
[19] Dado extraído do Mapa da Legislação sobre o Aborto, que o Center for Reproductive Rights [Centro de Direitos Reprodutivos], organização não governamental com sede em Nova York, montou ao pesquisar as leis em 196 países e estados independentes. Disponível em: <http://planetasustentavel.abril.com.br/pops/mapa_aborto_claudia_pop.shtml>. Acesso em: 17 de maio de 2010.
[20] Ibid.
[21] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: Parte Especial, São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2, p. 128.
[22] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 312.
[23] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1998.
O conceito apresentado pelo Dicionário Médico é praticamente o mesmo. Segundo ele, o encéfalo “é parte do sistema nervoso central contido na cavidade craniana; consiste em cérebro, cerebelo, protuberância e bulbo” (BLAKISTON, 1982).
[24] MINAHIM, Maria Auxiliadora. A Preservação da Vida em face da Biotecnologia: Inserção de novas Antinomias no Direito Penal. Revista da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais. Revista dos Tribunais, jul/dez. 2005. p. 119.
[25] PINOTTI, José Aristodemo. Anencefalia. Folha de S.Paulo, 2004. p. A3.
[26] GHERPELLI apud LIMA, Carolina Alves de Souza. op. cit., p. 78.
[27] TESSARO, Anelise. Aborto Seletivo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 113.
[28] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.123-124.
[29] FRANCO, Alberto Silva. Anencefalia: Breves Considerações Médicas, Bioéticas, Jurídicas e Jurídico-Penais. Revista dos Tribunais, 2005. p. 416.
[30] BITTENCOURT, César Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial 2 - Dos Crimes Contra a Pessoa. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 145.
[31] LIMA, Carolina Alves de Souza. op. cit., p. 88.
[32] MOORE; PERSUAD apud ibid., p. 89.
[33] BUENO apud GOLLOP, Thomas Rafael. O STF e a Anencefalia: Perspectivas. Disponível em <http://ibccrim.org.br/site/olapoc/forum_subTemas.php?id=49&idioma=esp&acao=selTemas>. Acesso em: 23 abr. 2010.
[34] DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual de Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 10.
[35] A eugenia, como ciência, foi empregada pela primeira por Francis Galton, no Reino Unido, em 1865, com a obra intitulada Hereditary talent and character (LIMA, 2008, p. 96).
[36] GOMES, Hélio. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. p. 417.
[37] TESSARO, Anelise. op. cit., p. 44.
[38] Ibid., p. 44.
[39] Ibid., p. 44.
[40] Ibid., p. 45.
[41] Ibid., p. 45.

[42]  MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 748.
[43] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 134.
[44] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 85.
[45] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. op. cit., p. 50.
[46]  SARLET, Ingo Wolfgang. Valor de alçada e limitação do acesso ao duplo grau de jurisdição. Revista da Ajuris 66. 1996. p. 121.
[47]BARROSO, Luís Roberto. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54-8.Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaAdpf54/anexo/adpf54audiencia.pdf.  Acesso em: 30 abr. 2010.

[48] MELLO, Marco Aurélio Mendes de Farias. Liminar do Ministro Marco Aurélio que permitiu o aborto de fetos anencefálicos. Jus Navigandi, Teresina, 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=605>. Acesso em: 30 abr. 2010.
[49] FONTELES, Cláudio. PGR emite parecer contrário ao aborto de anencéfalos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 413, 24 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=603>. Acesso em: 16 abr. 2010.
[50] Ibid.
[51]  Idem,ibid.
[52] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental (Med. Liminar) 54-8. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.
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[53] Ibid.
[54] Ibid.
[55] RODRIGUES, Lorenna. Ministro do STF sugere julgamento técnico sobre aborto de anencéfalos. Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 ago. 2008, p. C5.

[56] RODRIGUES, Lorenna. op. cit.
[57] Ibid.
[58] Ibid.
[59] LIMA, Carolina Alves de Souza. op. cit., p. 169.
[60] COUTINHO. Luiz Augusto. Aborto nos caos de anencefalia: crime ou inexigibilidade de conduta diversa. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/aborto_anencefalia_17-03.htm>. Acesso em: 30 abr. 2010.
[61] CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Interrupção da Gravidez e o Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ano VIII, nº. 174, Brasília:Consulex, 2004.
[62] GOMES. Luiz Flávio. Tipicidade penal = tipicidade formal ou objetiva + tipicidade material ou normativa + tipicidade subjetiva Jus Navigandi, Teresina, 15 maio 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8383>. Acesso em: 30 abr. 2010.
[63] Idem. Aborto anencefálico: exclusão da tipicidade material. 12 jun. 2006b. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20060612202918482>. Acesso em: 30 abr. 2010.

[64] SILVA JR., Edison Miguel da. No estado democrático não existe nenhum direito absoluto. Consultor Jurídico, 27 mar. 2007. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2007-mar-27/estado_democratico_nao_existe_nenhum_direito_absoluto>. Acesso em: 17 maio 2010.
[65] A corrente adotada neste trabalho é o Conceito Bipartido do Crime, sendo esta adotada também pelos doutrinadores Damásio de Jesus, Fernando Capez, Celso Delmanto, Renê Ariel Dotti, Julio Fabbrini Mirabete, dentre outros.
[66] GOMES. Luiz Flávio. op. cit., 2006a.
[67] MELLO, Marco Aurélio Mendes de Farias. A dor a mais. Revista de Cultura: Revista do IMAE, São Paulo, jul./dez. 2004. p. 60-61.

autor:
DANIELE PAVANELLI FIDELIS

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