terça-feira, 22 de novembro de 2011

NORMATIVAS INTERNACIONAIS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES


1 ) - INTRODUÇÃO

Regras mínimas das Nações Unidas para a administração da justiça da infância e da juventude - Regras de Beijing – 1985


Essas normas propiciam uma leitura ética sobre a administração da justiça para a infância e adolescência, caracterizando preocupação e declarando a promoção da criança e do adolescente, com todos os recursos possíveis da sociedade e do Estado, reduzindo a necessidade de intervenção legal, na questão do conflito com a lei.
O adolescente integra-se ao direito de ser sujeito de direitos, ser humano, a responder na justiça de forma diversa do adulto, pela sua peculiaridade, mas com a potencialidade de direitos de pessoa: presunção de inocência, garantias processuais, direito à informação, direito de não responder, direito à assistência judiciária, direito de apelação e direito de acompanhamento dos pais.
Destacam o direito da criança e do adolescente e sua proteção pela rede de garantias.
Se as várias medidas a serem aplicadas, além das de privação de liberdade, e a questão do profissionalismo e capacitação do judiciário, com a perspectiva da participação societária.



1) Direitos das Nações Unidas para a prevenção da delinqüência juvenil –

Diretrizes de RIAD – 1990


Com esse documento, a ONU traz sua preocupação com a prevenção do delito e tratamento do delinqüente. Trata de políticas e medidas progressistas de prevenção da delinqüência que evita criminalizar e penalizar a criança por conduta que não cause grandes prejuízos ao seu desenvolvimento e que nem prejudique os demais.
Abrange inserções e orientações à política de prevenção, integradas à família, à comunidade, ressaltando o núcleo familiar, a educação, a comunidade, os meios de comunicação, a política social, o caráter multidisciplinar e interdisciplinar de atendimento aos jovens.


1.1) Regras mínimas das Nações Unidas para proteção de jovens privados de liberdade – 1990


A ONU, com essas normas, considera a situação e busca orientar a questão da privação de liberdade dos jovens, realçando que a reclusão deve acontecer em último caso e pelo menor tempo necessário; e os jovens em sua peculiaridade devem merecer, na reclusão, proteção especial, garantias de direitos, durante e após a privação de liberdade.


1.2) Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das crianças – 1989 (promulgada no Brasil pelo Decreto Nº. 99.710, de 21 de novembro de 1990)


As declarações e regras internacionais muito contribuíram para formar a construção do direito da criança e do adolescente, mas foi a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças (1989) que lançou tentáculos mais fortes da proteção integral, a pesardo que, para Tarcísio José Martins Costa, a doutrina da Proteção Integral, mesmo constando em importantes documentos internacionais – Declaração de Genebra, Declaração de Direitos Humanos, Declaração dos Direitos da Criança - “só aparece em seus contornos mais definidos no Congresso Pan-americano de 1963, em Mar Del Plata, Argentina, que teve como tema a Proteção Integral do Menor.”

A dimensão crescente dos documentos internacionais, décadas após décadas, demonstra o sentido de avanços em relação aos direitos da criança e do adolescente. Porém, tais avanços parecem um tanto quanto lentos na sua prática. Compara-se à árvore que cresce lentamente firmando suas raízes aos poucos.
Desde a Declaração de Genebra de 1924 até a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e do Adolescente de 1989, estruturas governamentais, laboratórios legislativos, legalismos judiciários, personalismos governamentais parecem ter lido as declarações apenas em suas lógicas jurídico-formalistas, mas com lentas concretizações dos direitos declarados. Parece acontecer lento acordar do poder transformador das idéias propostas e das intenções das Declarações e Normas Internacionais. Significa dizer, o direito declara-se, na lógica abstrata, formal, racional, geral, mas os operadores do direito e de outras áreas do conhecimento enterram-se e ocultam-se na terra da omissão e dos vãos debates (portanto, terra árida e inadequada), em comunhão com a omissão dos poderes político-econômicos, no tocante a um direito possível de transformação social e de emancipação urgente da exclusão socioeconômica-cultural das famílias (crianças e adolescentes) brasileiras. Tem razão Wolkmer quando assere que ante o marasmo lento de um direito impregnado de conservadorismo ideológico liberal capitalista,  há necessidade de “se dessacralizar o formalismo dogmático normativista, por demais comprometido com os mitos ideológicos e com as relações de poder dominante” e de se ter “compromisso pedagógico [...] com a criação de espaço alternativo de mudanças delineadas pela discussão e pela participação, gerador de um Direito verdadeiramente justo [...] com projeto ético-político emancipador.”

Na verdade, essa lentidão em absorver no direito interno, o novo direito que emerge do direito internacional e da realidade viva (do direito achado na rua, do direito pluralista, insurgente, alternativo) pode estar relacionado ao que Boaventura de Sousa Santos aduz com sabedoria que “à medida que o capitalismo se converteu no modelo exclusivo de desenvolvimento das sociedades modernas, muitas das relações sociais não podiam, de modo algum, ser reguladas de acordo com as exigências democráticas radicais da modernidade.”

E acresce que, na realidade, a dimensão das relações sociais sufoca-se ao restrito, como se “só as regras e os padrões normativos emanados do Estado e exercidos por ele fossem considerados como direito.”

Nessa perspectiva, a lentidão, no caso dos direitos da criança e do adolescente, não só na sua positivação, mas também pela ineficiência do direito declarado e positivado, é contraposta por nova consciência política de atores, agentes sociais abertos à luta para fazer acontecer a doutrina da proteção integral, via operacionalização do Estatuto da Criança e do O direito da criança e do adolescente e sua proteção pela rede de garantias.






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Roberto Diniz Saut Revista Jurídica - CCJ/FURB ISSN 1982 -4858 v. 11, nº 21, p. 45 - 73, jan./jun. 2007


Adolescente, diretrizes constitucionais e rede de garantias, em especial sob o princípio da municipalização, descentralização, participação e do controle social, ensejados nesses documentos jurídico-pedagógicos constitucionais e estatutário.

Entretanto, fica, aos poucos, evidenciado que para existir avanços no direito infanto-juvenil, não se pode olvidar que o direito esteja intimamente relacionado com ideologias, políticas, culturas, com o social e vice versa.

Além disso, para que o direito se concretize, além de sua validade e mínima eficácia (kelseniana), deve produzir eficiência prática de exercício pleno dos direitos.

Talvez sejam necessárias as presenças dos líderes gramscianos a movimentarem nova visão de mundo no direito infanto-juvenil. Gramsci ensina que “o modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloqüência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se ativo na prática, construtor, organizador, persuasor permanente.”

A esses líderes orgânicos gramscianos, importa a causa do sempre novel direito da criança e do adolescente, porque formam o grupo social de uma dinâmica reflexiva e atuante, permanente na defesa do Estatuto e de sua operacionalização.

Em tese, essa postura, a partir da ruptura com a doutrina da situação irregular para implementação dos princípios e diretrizes da doutrina da proteção integral, sob ação permanente de líderes orgânicos, faz crescer a dimensão fundamental da doutrina que significa, no dizer de Méndez, considerar fundamental o princípio do interesse superior da criança; e para Martins Costa, o “princípio do melhor interesse da criança, critério consagrado no direito comparado [...].

Os interesses da criança e do adolescente são superiores porque a família, a sociedade e o Estado, todos são compelidos a protegê-los, tendo em conta a sua peculiar condição de pessoas em formação e desenvolvimento.”


Para Dom Luciano Mendes de Almeida, há uma relação direta entre a doutrina de proteção integral e a democracia: “a democracia requer leis que garantam e promovam a dignidade humana.”
Parece paradoxal falar sobre a ruptura de paradigmas, de avanços da legislação da doutrina da proteção integral e, ao mesmo tempo, da lentidão do acontecer do novo direito.
Acentue-se que uma coisa é a legislação recepcionar as inovadoras tendências do direito, como reflexão de insurgências, de emergências mundiais e nacionais, do novo olhar sobre as gerações emergentes dos novos direitos e outra coisa é acontecer, na concretude, a garantia do direito positivo.
Bobbio, em relação ao processo de lentidão e de resistência ao novo direito, afirma: Roberto Diniz Saut


















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Aliás, vale a pena recordar que, historicamente, a ilusão do fundamento absoluto de alguns direitos estabelecidos foi um obstáculo à introdução de novos direitos, total ou parcialmente incompatíveis com aqueles.
Basta pensar nos empecilhos colocados ao progresso da legislação social pela teoria jusnaturalista do fundamento absoluto da propriedade: a oposição secular contra a introdução dos direitos sociais foi feita em nome do fundamento dos direitos da liberdade.
O fundamento absoluto não é apenas uma ilusão; em alguns casos, é também um pretexto para defender posições conservadoras.
A doutrina da situação irregular e conseqüente legislação nela fundamentada, em particular, o Código de Menores que, mesmo com o surgimento da doutrina de proteção, formou raízes, ou ainda melhor, um imaginário social de justiça34 como fundamento de um direito inquestionável e irresistível.
Por tal motivo, Gramsci alude ao fato da crise que o novo provoca à concepção do velho, em que o novo é impedido de nascer pela resistência do velho.35 Porém, é preciso insurgir-se, a partir da formação de uma consciência ético-política sobre a leitura das novas tendências e dos paradigmas para propiciar o caminhar de uma práxis operacionadora do direito positivado, assim como dos seus princípios e diretrizes de ação. Nessa perspectiva
Maria da Graça dos Santos Dias insiste em dizer que “O Direito precisa assumir sua destinação histórica de transformação das condições de vida, de construção de uma sociedade mais justa e democrática.”
Presta-se esse pensamento urgente àqueles que historicamente ergueram suas consciências na luta pela democratização político-jurídica do autoritarismo brasileiro das décadas 60/70, em especial, àqueles que se movimentaram para inserção, via constituinte, na Carta Magna de 1988, do princípio da proteção integral à criança e ao adolescente e àqueles que, hoje, assumem as relações de mando, de convicção técnico-política e participativosocietária, na operacionalização do conteúdo, tanto constitucional quanto do ECA, com a responsabilidade de compreensão de que é possível se questionar “o valor de todo conhecimento que não parte das questões postas pela vida e não retornem dialeticamente a ela para enriquecê-la e reinvestir em seu sentido.”


Verifica-se, desde as literaturas produzidas sobre as declarações dos direitos do homem e da mulher, da criança e do adolescente, o aprofundamento do conhecimento multidisciplinar jurídico-político dos direitos da criança e do adolescente; teorizações, pesquisas e reflexões, demonstrativos dos avanços do direito da proteção integral.
Entrementes, a cultura conservadora de que trata Bobbio38 resiste a esse novo, até porque parece próprio do processo histórico-dialético, além do avanço, o sentido do conservador, ao que Edmundo Arruda acrescenta: “nesse aspecto, ser moderno, no sentido marxista, exige ser ao mesmo tempo revolucionário e conservador.”
O direito da criança e do adolescente e sua proteção pela rede de garantias


















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Na realidade, quando Maria da Graça dos Santos Dias aduz que deve haver um retorno do conhecimento à realidade, significa dizer que, em princípio, o surgir de uma realidade a ser transformada, não a destruindo, mas superando-a, no retorno do novo conhecimento, para as transformações mais próximas dos anseios de justiça.
Por essa razão, as modificações acontecem lentamente muitas vezes, mas seguindo o seu curso de formação de nova consciência jurídico-político-social a partir, inclusive, da coercitividade da própria lei e do controle social. O Estatuto da Criança e do Adolescente indica não só os direitos, mas também a rede de garantias, conforme a reflexão que segue.


2)  A REDE DE GARANTIAS DO NOVO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O Estatuto da Criança e do Adolescente, numa primeira compreensão hermenêutica é uma lei que integra o ordenamento jurídico brasileiro na dimensão científica da validade, porque gerada da autoridade estatal e sob o conceito da eficácia é formalmente existente nos parâmetros constitucionais para sua validade e para sua eficácia de obediência possível.
Não obstante, além desse aspecto formal do direito, o ECA surge como uma lei-proposta, uma leipedagógica, uma lei-revolução, uma lei para o sentido de eficiência, nas perspectivas do Estado Democrático de Direito e da tendência garantista do direito, criando instâncias na direção da descentralização, participação, mobilização social, municipalização e da eficiência do seu teor, a partir do conteúdo ético-social-humano constitucional.
Para Morais, o Estado Democrático de Direito, na intencionalidade de superação do modelo liberal de Estado (fundamentado no individualismo e no paradigma da não intervenção estatal nas relações privadas), bem como sua versão ampliada no Welfare State (este com a missão de ter a função material de fomentar políticas sociais concretas do Estado), hoje, aparece como modelo de Estado com “conteúdo transformador da realidade.



Não se restringe o Estado Democrático de Direito, como o Estado Social, à adaptação melhorada das condições sociais da existência”, mas, sobretudo, “passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública, quando o democrático qualifica o Estado” e, ainda, “impondo à ordem jurídica e à atividade estatal um conteúdo utópico de transformação da realidade.”
Nesse sentido, é que se pode compreender o ECA no âmbito do modelo de Estado Democrático de Direito e de sua intencionalidade jurídico-político-social. Uma lei que incorpora oportunidade de viabilidade de uma práxis transformadora, de inserção social, de Roberto Diniz Saut superações da exclusão social, ou seja, da exclusão dos direitos mais fundamentais do ser humano criança-adolescente.


















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O Estatuto, nesse âmbito, pode ser considerado uma lei-proposta, enquanto proporciona, consoante Salete da Silva, o chamamento de todos ao “esforço de romper com a Doutrina da Situação Irregular.” Pode ser uma lei-pedagógica no sentido do desafio que lança Sêda, um dos protagonistas da luta pela doutrina da proteção integral, quando se convence que os juristas devem ter a consciência de educadores, construindo condições para as crianças e adolescentes poderem desabrochar à maioridade sadia.
Além disso, o autor avalia que “a lei, fixa e geral, desde que adequada e harmônica com as leis inscritas em nossa natureza de seres humanos, permite ampla margem criativa para os indivíduos se realizarem e construírem cada vez mais perfeitas civilizações.”
Nessa linha de raciocínio, Gomes da Costa argumenta em relação ao ECA que “o primeiro desafio é localizar um território comum em que pedagogos e juristas podem encontrar-se e, a partir da perspectiva de cada um, colocar as bases de uma relação construtiva e madura.” Sobre a necessidade da visão pedagógica do Estatuto, no âmbito da Justiça e em relação ao adolescente em conflito com a lei, o autor acrescenta: “o primeiro passo em direção a uma justiça juvenil capaz de respeitar o adolescente, como sujeito de direitos exigíveis contemplados pela lei e, ao mesmo tempo, como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, e identificar e explicitar com clareza a dimensão pedagógica das garantias processuais.”
O ECA pode ser considerado uma lei-revolução no momento em que rompe com conservadorismos injustos e inadequados do menorismo (doutrina da situação irregular), bem como oportuniza inovadora forma de fazer acontecer a política pública de atendimento à criança e ao adolescente. Avaliam-se, para essa concepção, os argumentos dos autores comprometidos com a doutrina da proteção integral. Méndez interpreta que o conteúdo da Convenção dos Direitos da Criança (doutrina da proteção integral que inspirou o ECA) na relação com “o processo de reformas legislativas [...] sem nenhum exagero [...] deve ser entendida como a Revolução Francesa, que com duzentos anos de atraso, chega às crianças e adolescentes.”
Nessa direção, Passetti, em prólogo que faz na obra Violentados: crianças, adolescentes e justiça, não mede palavras para confirmar que defender direitos da criança e do adolescente não tem o sentido da abstração, pois, em verdade passa a ser “um compromisso com a liberdade que demanda a redução da intervenção estatal, e está intimamente relacionado à defesa dos direitos dos homens em geral contra as ditaduras, os líderes messiânicos, o poder incomensurável da razão ou dos grupelhos que se arvoram em proprietários de defesas de direitos de toda sorte.”45 Além disso, o sentido de uma lei eficiente
O direito da criança e do adolescente e sua proteção pela rede de garantias insere-se na convicção de que não é mais possível ter, ante o direito do Estatuto da Criança e do Adolescente, a visão sobre a qual faz sentido a crítica de Maria da Graça dos Santos Dias de que “a construção epistemológica da ciência jurídica precisa, na atualidade, romper com a perspectiva de abstração lógica, tendente a construir esquemas rígidos e dogmáticos de conceitos”46, e considerar que novas concepções no direito avançam para o que preconiza a intencionalidade do ECA, ou seja, que essa lei esteja no paradigma do garantismo jurídico.
















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Seguindo os ensinamentos da obra Direito e razão: teoria do garantismo penal, de Luigi Ferrajoli47, observa que o autor preconiza que pode haver uma “divergência entre normatividade do modelo em nível constitucional e sua não efetividade nos níveis inferiores”, e que essa divergência da não efetividade entre normas constitucionais e infraconstitucionais “corre o risco de torná-la (a Constituição) uma simples referência, com mera função de mitificação ideológica no seu conjunto.” Resgata-se a importância do garantismo, na relação com o ECA, a partir de sua relação constitucional com o Estado Democrático de Direito, porque Ferrajoli considera que, no caso dos direitos fundamentais a serem redefinidos “em contraposição a todas as outras situações jurídicas, como aqueles direitos cuja garantia é necessária a satisfazer o valor da pessoa e a realizar-lhes a igualdade.”
No caso específico do ECA, este deve ser interpretado ante a sua necessidade de efetividade de direitos tanto sob a garantia formal quanto a substancial. Nesse sentido, Ferrajoli ensina que “a legitimação formal é aquela assegurada pelo princípio da legalidade e pela sujeição do juiz à lei. A legitimação substancial é aquela que provém da função judiciária e da sua capacidade de tutela ou garantia dos direitos fundamentais do cidadão.”
O Estatuto parece fundar-se, em seus momentos principiológicos na direção da utopia, em sentido filosófico, de expectativas de direitos fundamentais necessários, sob a inspiração constitucional brasileira de um Estado Democrático de Direito, e que tem possibilidade de efetivar-se no atendimento a atenção ao sujeito de direito criança e adolescente. Ademais, Ferrajoli considera que no Estado Democrático de Direito incorporou-se à sua Constituição “valores e expectativas altas e até mesmo utópicas, mas de todo realizáveis.” Conclui o autor que é precisamente esta consciência que deve assistir a legislação, a cultura jurídica e a transformação na proteção do direito.
Tais considerações podem evidenciar e esclarecer a existência do que se denomina de rede de garantias, que alguns preferem chamar sistema de garantias do ECA.
Esse Estatuto é uma lei de coerência interna para uma eficiência externa. Traz, como conteúdos, princípios que ensejam orientações fundamentais à práxis, concretizando resultados transformadores, classificados por Lima como “princípios intra-sistêmicos explícitos:
a) estruturantes; b) concretizantes; c) garantidores” e “princípios intra-sistêmicos – implícitos, concretizantes em suas totalidades.”48 Além de princípios, de diretrizes, de ações, o Estatuto Roberto Diniz Saut. ordena a formação, a existência de órgãos e instâncias com atribuições de especificidades definidas, porém, interligadas à intercomunicação de co-responsabilidades, via mando do art. 4°. do ECA.
























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O Estatuto estabelece, como lei-proposta, que os direitos da criança e do
adolescente, declarados e próprios do ser humano, não podem ficar apenas no declarado, mas devem integrar e concretizar o direito subjetivo do sujeito de direito, a criança e o adolescente, com absoluta prioridade, sem a relativização desses direitos pela omissão ou pela ação de desrespeito.
Para tanto, pode-se ver que o ECA tem intrinsecamente uma metodologia operativo-responsabilizadora, ou em outros termos, o como fazer acontecer, e por quem, os direitos da proteção integral.
Tal metodologia transparece na indicação da criação de órgãos e instâncias, além de atribuir a organismos existentes novas responsabilidades institucionais. Confirmam essa interpretação Barreira e Jacinto com o argumento de que “Todo esse processo de repartição de competências legislativas não decorreu de geração espontânea.
Muito ao contrário, foi criado através de movimentos sociais e políticos anteriores à promulgação da carta de1988.”
Assim, o Estatuto, via debates constituintes, influenciado por práticas dos
movimentos sociais e políticos, e, também, por orientação da legislação internacional, institucionalizou-se à rede jurídico-garantidora de competências o que  pode entender-se como rede de garantias institucional-público-comunitária.
O sistema em rede de inter-responsabilidade pela garantia dos direitos insere-se, em primeiro lugar, na proposta da descentralização, o que significa dizer na descentralização político-administrativa, em que a sociedade organizada integra as decisões sobre as políticas sociais; em segundo, na participação da população “por meio de suas organizações representativas na formulação das políticas e no controle das ações”50, em terceiro na mobilização da população quando das oportunidades de concorrer ao Conselho Tutelar, ao Conselho dos Direitos ou quando das Conferências Municipais, formação dos fóruns e outras mobilizações necessárias e histórico-contextuais; e, em quarto, na municipalização, no sentido de eleger o município para sua autonomia de criar legislação para implantação dos Conselhos Municipais, Conselhos dos Direitos, Fundos da Infância e da Juventude, construir a política da Criança e do Adolescente e o Plano Municipal de Ação, em coordenação articulada com a União, o Estado Membro em todos os níveis.
Sob a concepção da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, na continuidade, apresenta-se uma série de competências da rede de garantias.
O direito da criança e do adolescente e sua proteção pela rede de garantias
























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a)    Poder Judiciário

Há que se garantir o acesso da criança e do adolescente à Justiça pela interação do Ministério Público, da Defensoria Pública e do próprio Poder Judiciário, com assistência judiciária gratuita a quem dela necessitar. Incumbe, em tese, ao Juiz da Infância e da Juventude certos procedimentos considerados especiais, tais como: perda e suspensão do poder familiar; destituição da tutela; colocação em família substituta; apuração de ato infracional atribuído a adolescente; apuração de irregularidades em entidades de atendimento; apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente.

b)   Ministério Público

O Ministério Público cumpre importantes funções na rede de garantias, pois constitucionalmente tem a abrangência de defesa dos direitos individuais e trans individuais, difusos e coletivos, garantindo a ética e os termos do Estado Democrático de Direito, além de estar atento de modo permanente às suas competências, como as de: conceder a remissão como forma de exclusão do processo, com homologação do Poder Judiciário; promover e acompanhar os procedimentos relativos às infrações atribuídas ao adolescente; promover especialização e inscrição de hipoteca legal e prestação de contas dos tutores, curadores e administradores de bens de crianças e adolescentes; promover inquérito civil e a ação civil pública para proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos; instaurar procedimentos administrativos; instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar instauração de inquérito policial; zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados à criança e ao adolescente, impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus; representar ao juízo visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas contra normas de proteção à infância e à juventude; inspecionar entidades públicas e particulares; e requerer força policial (art. 201 do ECA).




c)    Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente

Houve um tempo, antes da vigente Constituição brasileira que se criavam Conselhos, no âmbito municipal, pela vontade racional da sociedade política, porém, com caráter apenas opinativo. A Constituição brasileira de 1988, pelo debate e pela pressão dos movimentos sociais no momento da Assembléia Nacional Constituinte, absorveu o projeto de incentivar a Roberto Diniz Saut transformação do paradigma opinativo para o deliberativo, incluindo, para tanto, a filosofia da participação e da descentralização decisória no seu parágrafo único do art. 1°. o qual determina: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Na perspectiva da coerência constitucional, o paradigma, “diretamente, nos termos desta Constituição”, encontra-se no art. 204, incisos I e II, os seguintes conteúdos: “I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.” Esse é o espaço aberto à sociedade organizada para a formação (deliberativa) das políticas de atendimento.
O ECA, sob essa orientação constitucional, estabelece: “Art. 87, inciso II – criação dêem conselhos municipais, estaduais e nacionais dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurando a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federais, estaduais e municipais.”
O Conselho dos Direitos passa a ser um espaço institucional de deliberação da política de atendimento, com responsabilidade de decidir sobre a Política Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Plano de Ação dos Direitos Infanto-Juvenis, de acordo com princípios e diretrizes da legislação competente. O Conselho dos Direitos tem a missão de gestor público-comunitário para o “desafio da articulação/integração com representantes do governo, para o trabalho de formulação/normatização geral das políticas públicas, o controle das ações governamentais e comunitárias, e, a mobilização social”








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